“Quanto tempo as crianças podem ficar nas telas?” é uma pergunta que mães e pais frequentemente endereçam a especialistas. Objetivamente, a resposta pode ser encontrada em uma rápida pesquisa pela internet. Alguns órgãos que se dedicam à infância, como a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), recomendam 1 hora por dia entre 2 e 5 anos, 2 horas entre 6 e 10 anos, e até 3 horas por dia (e nunca “virar a noite”) para adolescentes entre 11 e 18 anos.
Entretanto, apesar de estas orientações poderem servir de referência, elas não dão conta de responder toda complexidade por trás [da recomendação] do tempo de uso de telas pelas crianças. Daí a insistência da pergunta.
Vivemos em um mundo no qual as telas permeiam praticamente todas as nossas relações e, bem sabemos, não são apenas as crianças que precisam se a ver com o tempo dispendido diante destes dispositivos: trabalho, lazer, relacionamentos sociais, agendamento de compromissos, busca por informações e conhecimentos. Dá para imaginar alguma destas atividades sem que precisemos recorrer aos nossos tablets, smartphones etc.? Certamente, a imprescindibilidade destes aparelhos não passa despercebida pelas crianças, as quais, desde muito cedo na vida, estão bastante atentas àquilo que interessa a nós, adultos.
Por outro lado, a preocupação de pais e educadores geralmente diz respeito aos excessos e ao modo compulsivo com que as relações com as telas adquirem. Isto porque, além de colocar a criança em uma posição passiva, restringindo frequentemente sua criatividade, há conteúdos e formatos que tendem a proporcionar um tipo de prazer bastante específico: imediato, momentâneo, que em geral não leva a lugar nenhum (sem falar nos conteúdos inapropriados às crianças, que muitas delas acessam). O modo mecânico com que crianças e adultos rolam a tela do celular assistindo a vídeos curtos, uns seguidos dos outros, independentes uns dos outros, mas de conteúdos praticamente idênticos, é um bom exemplo do tipo de prazer que nasce e se apazigua ali mesmo, não se produzindo nada a partir disso. E daí, é preciso repetir, repetir e repetir.
Neste sentido, talvez caiba nos fazermos duas perguntas para pensar o uso de telas pelas crianças, que envolvem não apenas “quanto tempo”, mas “o que”, “como” e “por que” de seu uso.
Em primeiro lugar, o que a criança está fazendo nas telas? Certamente, há diferenças de conteúdos e formatos que encontramos neste universo. A criança está assistindo a um desenho? Jogando com os amigos nas horas vagas? Consumindo vídeos curtos um atrás do outro? Acompanhando YouTubers? Quais? Para responder estas perguntas, é preciso olhar para o que a criança tem consumido, ou seja, é fundamental que estes acessos sejam mediados pelos adultos responsáveis.
A segunda pergunta, que vem na sequência, pode ser traduzida da seguinte forma: o que a criança está deixando de fazer para ficar nas telas? Está deixando de explorar o mundo, de conversar e socializar com familiares e amigos? Está dificultando o investimento de sua energia em atividades criativas e exploratórias, que ela brinque? Está no lugar de impedir que a criança lide com a frustração, com o tédio (cada vez que surge um vazio, coloca-se nas telas)? Está entrando no lugar de um cuidado porque o cuidador está absolutamente sobrecarregado, ou deprimido, ou por alguma outra razão tem dividido suas funções com as telas? Ou o adulto tem muita dificuldade em dizer não às pessoas que ama, sendo as telas apenas mais uma das limitações aos prazeres dos filhos que não se consegue impor?
Como podemos perceber, a segunda pergunta talvez seja mais trabalhosa, pois respondê-la, exige que olhemos não apenas a criança, mas a função que as telas ocupam na dinâmica familiar. Construir esta resposta nem sempre é fácil, pois nos darmos conta do “por que meu filho(a) tem ficado tanto tempo nas telas?”, envolve frequentemente colocar luz naquilo que o uso das telas tem feito tanto esforço para encobrir.
Imagem: Freepik.
Texto escrito por Helena Amstalden Imanishi.