Filhos vêm sem manual, sabemos. E quem é mãe e pai, sabe, “na pele”, o quanto isso é angustiante quando dúvidas e dificuldades em relação aos filhos e na relação com eles aparecem. Não à toa, diante dessas situações, é comum recorrermos ao Google e a outros oráculos na expectativa de uma resposta que nos diga o que fazer para alcançar ou restituir algo que esperamos e idealizamos: que os filhos comam, durmam bem, falem com desenvoltura, não mordam os colegas, obedeçam, façam cocô no vaso, não tenham escapes de xixi durante a noite, se comportem, deixem as telas, tolerem frustrações, aprendam o que é ensinado, se concentrem, sejam felizes e por aí vai.
Por mais que seja possível encontrar respostas para “tudo”, nem sempre elas “caem como uma luva”, mesmo quando seguimos as sugestões ou instruções – o que gera mais angústia, podendo levar à instalação de um ciclo sem fim de “fazer tudo o que é possível” (e às vezes, impossível) para obter algum êxito. Esse fazer infindável é exaustivo, podendo resultar em sofrimento e até desistências.
Geralmente é depois de “fazer de tudo”, sem alcançar o resultado esperado, que mães e pais buscam (mais uma) ajuda especializada. A orientação a pais figura entre esses suportes.
A procura por orientação se assemelha às demais procuras parentais, no Google ou noutros especialistas: ter uma resposta do que fazer com o filho/filha em determinada situação. No entanto, a maneira como compreendo o trabalho de orientação a pais, vai no caminho oposto de fornecer respostas, universais, com um passo a passo a ser seguido.
Gosto de pensar a orientação a pais como um roteiro de viagem construído pelo próprio viajante, o qual inclui os interesses próprios, deixa brechas para o inesperado e ganha forma ao longo do percurso – ao invés de um roteiro rígido com as coordenadas pré-determinadas de onde ir.
Quem já fez uma viagem alguma vez deve ter precisado rever a rota. Pode ter encontrado um desvio na estrada que não estava no mapa. Pode ter descoberto um lugar aprazível fora do itinerário. Pode ter se decepcionado com um ponto turístico altamente recomendado. O que cada um espera e vivencia em relação a uma viagem é sempre singular, uma vez que ela se faz também pelo que nos afeta.
A criação dos filhos é parecida com essa viagem, sempre desconhecida. Planejamos algumas coisas, temos referência de certos pontos, mas o percurso depende do que encontramos pelo caminho: o bebê, a criança, o ambiente ao nosso redor, o que a maternidade/paternidade nos mobiliza etc.
Nesse sentido, ter um roteiro pré-definido, embora traga uma suposta segurança, não garante que a viagem seja bem-sucedida. Ao contrário. Se ficamos presos a ele a viagem inclusive pode se transformar numa experiência desagradável ou menos rica do que poderia ser.
Num paralelo à orientação a pais, fornecer respostas universais sobre o que fazer com a criança sem considerar o que afeta a mãe/pai é o mesmo que entregar roteiros de viagem que desconsidera as expectativas, os interesses e as possibilidades do viajante, e sem abertura para as surpresas do caminho. Escutar o que os pais têm a dizer sobre eles mesmos e sobre o filho/filha permite com que os pais acessem os afetos que, de maneira inconsciente, se revelam no sintoma apresentado pela criança. Aqui, é importante destacar que falar sobre o filho/filha não é o mesmo que falar sobre o sintoma.
Quando os pais conseguem acessar em uma ou poucas consultas seus afetos, pode ser possível compreender o que o sintoma revela da relação deles com a criança, permitindo, assim, o trabalho de orientação a pais. Contudo, se os afetos estão muito emaranhados, indiscriminados, é necessário um trabalho mais profundo, como as psicoterapias individual, de casal ou familiar.
Tomando como exemplo certas situações em que a criança só faz cocô na fralda, o sintoma apresentado pela criança – cocô na fralda – acaba por desvelar o desejo de que a criança continue bebê, um ambiente muito controlador, o medo de a criança ser sexualmente abusada ao ser higienizada por alguém que não seja eles etc.
O sentido dado ao sintoma permite aos pais prosseguir a viagem com um olhar mais atento às delicadezas que encontram no caminho e à criança que não fique presa aos fantasmas parentais. Nessa “virada de chave” o que era sintoma – e angústia dos pais – abre para novas possibilidades de fazer e ser com o filho/filha. O fazer “de tudo” dá lugar para o fazer “suficiente”, favorecendo a viagem continuar com boas doses de prazer e descobertas.
Imagem: Freepik.
Sobre a Patrícia L. Paione Grinfeld.
Conheça mais sobre o trabalho de orientação a pais.