Apesar das inúmeras reportagens e publicações, que circulam diariamente nos jornais, em veículos de comunicação especializados e nas redes sociais, ressaltando as potencialidades adquiridas pelo profissional que se torna pai e mãe e apresentando exemplos de ações pró-família implementadas por diversas empresas, a realidade é que, na maioria dos casos, o mundo corporativo continua sendo um ambiente laboral bastante desafiador e angustiante para aqueles que vivenciam a parentalidade.

Por que será que isso acontece?

Em primeiro lugar, percebemos que as empresas ainda enxergam a parentalidade como um problema a ser resolvido, um gasto adicional na folha de pagamento, uma preocupação na gestão de carreira do empregado, uma ausência no trabalho para cuidar dos filhos doentes, entre outras associações que sempre levam a uma ideia de dificuldade, de incômodo e de perda por parte do empregador. Entretanto, se pensarmos que a discussão sobre a temática “filhos”, de uma forma ou de outra, irá sempre aparecer durante a trajetória individual das pessoas, não seria mais coerente que as empresas também incorporassem essa questão (da parentalidade) na trajetória profissional de seus trabalhadores?

Um segundo ponto a ser mencionado é que o ambiente corporativo parece desconsiderar o fato de que o exercício da parentalidade, por si só, é um trabalho em tempo integral, que não cessa com o término da primeira infância, mas que continua durante o crescimento dos filhos e, às vezes, se junta a outro trabalho similar, como no caso dos cuidados com idosos. E esta jornada de 24 horas por dia, 7 dias por semana precisará ser intercalada com o tempo dedicado ao trabalho remunerado e suas inúmeras entregas e demandas. Ou seja, um filho não deixa de existir quando o profissional que se tornou pai/mãe retorna após o período de licença parental. Então, por que as avaliações de performance e as definições de próximos passos dentro da empresa continuam sendo realizadas sem considerar este novo trabalho que surge com a parentalidade?

Um terceiro ponto a ser mencionado é que as empresas precisam estar mais conscientes de que a parentalidade transforma o profissional. Não o torna necessariamente mais produtivo. E nem menos interessante. Simplesmente transforma. E essas mudanças são difíceis de se prever ou controlar, já que acontecem de forma diferente para cada pessoa. Nesse sentido, sabendo que a parentalidade não é vivida da mesma forma por todos, será que as ações implementadas pelas empresas, de maneira padronizada, quando não obrigatória, fazem sentido? Será que a adoção de um check list único aplicável a todos os colaboradores, sem considerar a experiência individual de parentalidade de cada um, alcança a sua finalidade de cuidado na saúde mental?

Por fim, precisamos trazer para esta discussão um importante questionamento: para quem as políticas de parentalidade estão direcionadas? Quando pensamos na estrutura hierarquizada de uma empresa e na multiplicidade de posições existentes dentro dela, cada uma ocupada por profissionais com atribuições e qualificações bastante diversas, será que as ações de parentalidade são pensadas para atender às demandas e realidades de toda a empresa, ou acabam sendo direcionadas a um grupo específico dentro do ambiente corporativo?

A junção destes quatro fatores (as empresas ainda enxergam a parentalidade como um problema, o ambiente corporativo desconsidera o fato de que o exercício da parentalidade é um trabalho em tempo integral, a falta de consciência da transformação individual que chega com a parentalidade e a dificuldade em criar ações que enxerguem as diferentes realidades existentes dentro de uma empresa) poderia explicar, em grande parte, a situação que encontramos atualmente.

E qual é essa situação?

Por um lado, o número de empregados com burnout continua crescendo e a demissão de mães que retornam de licença maternidade parece não diminuir. Por outro, mesmo com a possibilidade de tirar uma licença paternidade estendida, muitos pais decidem não fazer uso desta prerrogativa. Além disso, apesar dos programas pró-parentalidade implementados pelas empresas, mulheres continuam pedindo demissão e voltando sua atenção ao empreendedorismo, mesmo não tendo aptidão ou verdadeiro interesse em seguir uma carreira autônoma.

E, temos ainda, aqueles que decidem “conciliar” parentalidade e trabalho. Alguns precisarão recorrer a uma rede de apoio cada vez mais numerosa e cara, o que demandará tempo e energia na busca por mais trabalho e maior remuneração, a fim de cobrir os gastos envolvidos. Outros vão decidir retardar a decisão de ter filhos para não interferir nos projetos profissionais. Muitos acabarão adoecendo, medicando-se e ignorando suas angústias, em um esforço de apagar as necessidades que são próprias da parentalidade.

Mas, como mudar esta situação? A resposta não é simples e nem temos a pretensão de apresentar uma solução definitiva. Porém, acreditamos que podemos indicar caminhos e, assim, contribuir na busca de um ambiente corporativo mais amistoso.

Uma sugestão é proporcionar políticas e benefícios mais diversos e menos padronizados. Talvez a sua colaboradora prefira conversar com uma especialista em amamentação, em vez de receber um kit de produtos padronizado. Talvez o seu colaborador não tenha questões relacionadas a temas mais comuns nos primeiros meses de vida do bebê ou no período pós retorno de licença parental, mas, conforme o filho vai crescendo, necessite de apoio no momento do desfralde ou mesmo durante a adolescência.

Outra sugestão é abrir espaço para que pais e mães possam pensar sobre as transformações que a parentalidade trouxe para a vida deles. A qualquer momento e de forma singular. Ou seja, esse espaço de reflexão não pode ser algo obrigatório ou condicionado a um único momento, geralmente os primeiros anos da experiência parental (muito embora estes sejam fundamentais para a constituição da parentalidade e do desenvolvimento infantil). Será que participar de uma palestra sobre os desafios da parentalidade é o melhor acolhimento que o seu empregado poderia receber? Talvez ele prefira ter a possibilidade de abrir mão de um projeto mais estressante, em um momento em que seu filho está demandando maior atenção, sem precisar se preocupar que isso seja visto como falta de motivação ou de interesse ou uma baixa performance dentro do trabalho.

Por fim, seria muito interessante se as empresas, de fato, incluíssem em sua jornada de parentalidade, oportunidades para que aqueles empregados que estão pensando em ter filhos, e aqueles que já os têm, independentemente da idade dos filhos, possam reconsiderar a sua carreira e incluir essa questão no planejamento de sua trajetória profissional, com liberdade para abordar o tema de forma clara e aberta.

Adotando ações não padronizadas, sem julgamentos, sem imposições e sem suposições, a mensagem que a empresa dará a seus profissionais é a de que ter filhos não é um mérito e nem um demérito. Não é uma obrigação ou condição. Que filho não é um problema. Que a parentalidade é, em alguma medida, parte da trajetória profissional de todos e que, portanto, precisa ser incluída na rotina de trabalho, e de planejamento de carreira, daquele profissional que se torna pai e mãe.

Fica aqui o nosso convite para pensarmos juntos sobre opções mais efetivas de ações de acolhimento e suporte na parentalidade.

Imagem: Freepik.

Texto escrito por Iná Amstalden Imanishi.

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