A experiência da maternidade é sempre singular, mesmo para quem a experimenta mais de uma vez, com gravidezes ou filhos. O modo como cada pessoa vivencia e exerce a maternidade nos diferentes momentos de vida (própria e dos filhos), contexto sociocultural, entorno materno, condições do bebê etc. faz dela, maternidades.

Embora plural, as maternidades carregam vivências emocionais comuns. Entre elas, a ambivalência, condição humana de vivenciar sentimentos contrários com a mesma intensidade e ao mesmo tempo. Amar e odiar, querer e não querer, são clássicos exemplos.

A psicanalista Racheli Ferrari dedicou um capítulo de sua pesquisa de doutorado à ambivalência materna, ou seja, a ambivalência de sentimentos vividos pela mãe (e pelo pai) ao longo da maternidade, mas sobretudo no início da vida do bebê, quando, ao lado da constituição psíquica do novo ser, a mãe se constitui do ponto de vista do exercício das funções parentais (funções de cuidado e de inserção do bebê na cultura e suas regras). A autora, conforme podemos ler em Maternidades, assombro e elaboração: uma perspectiva psicanalítica (Editora Artes & Ecos, 2023), recorreu a outros autores que se dedicaram ao tema (Freud, Melanie Klein, Luís Cláudio Figueiredo), dando especial destaque à obra de Rozsika Parker, A mãe dividida: a experiência da ambivalência na maternidade (Rosa dos Tempos, 1997), na qual “argumenta que uma mulher precisa conhecer a si mesma, os sentimentos diversos, ambíguos, aflitivos que a experiência da maternidade evoca, e que só fazendo contato com essa ambivalência de sentimentos é possível imaginar uma vivência criativa ao ser mãe” (Ferrari, p.142-143). Mas como conhecer o “lado B” da experiência materna quando nossa cultura espera sorriso no rosto, plenitude, o tempo todo?

Ao longo da leitura do livro de Ferrari, algumas associações me ocorreram:

  1. Quando eu tinha 15 anos (isso tem mais de 35!), fui com minha mãe visitar a mãe de uma grande amiga minha que acabara de ter um bebê. Da visita, recordo-me da pergunta da minha mãe à outra mãe: “Você já chorou depois que ele nasceu?”.

Mães choram. Choram, ou não, quando o bebê nasce. Choram alguns dias depois. Pela mudança hormonal, pelo turbilhão emocional – que inclui os transitórios arrependimentos de ter um bebê. “Onde fui amarrar meu burro?” foi minha primeira pergunta quando me vi sozinha com meu primeiro bebê. Só ali a pergunta feita pela minha mãe, quase 20 atrás, anos fez sentido. E continua a fazer cada vez que dá vontade de não ser mãe – num dado momento, numa dada situação. Ser mãe é também não querer ser, mesmo que de vez em quando. Ser filho também é não querer ter mãe, mesmo que de vez em quando. E está tudo bem. É a ambivalência, não é desamor ou doença. Daí a importância da fala-escuta para que a ambivalência de uma mãe “chorona” ou “arrependida” não receba apressada e equivocadamente o diagnóstico de depressão pós-parto – nunca existiu tantos diagnósticos de depressão pós-parto, o que nos leva a questionar: será que nunca existiu tanta impossibilidade de expressão da ambivalência? Vamos do amor incondicional ao horror de ser mãe, como extremos e não faces de uma mesma moeda.

  1. No primeiro parto que assisti no estágio da minha formação em Psicanálise na Perinatalidade e Parentalidade, assim que o bebê nasceu a mãe se calou. Uma profissional que a acompanhava disse: “Segura, mãe, o bebê é teu!”. O bebê ainda não era dela, não tinha sido reconhecido por ela (essa ideia de reconhecer o próprio bebê como o seu bebê é da Vera Iaconelli, descrita em Mal-estar na maternidade: do infanticídio à função materna, Annablume, 2015, p.161-162).

Ali, eu só podia observar, mas no meu silêncio me solidarizava com aquela mãe, que via um bebê feio, acho eu (o mais feio que eu já vi). Beleza e feiura formam um par de ambivalência. O mesmo bebê é bonito e feio, feio e bonito. Filhos são assim mesmo quando não são mais bebê. Mães também, sua feia! – o xingamento primeiro de muitas crianças no momento de feiura. Às vezes até xingando a criança é fofa, linda. Ou não?! Isso é ambivalência!

  1. As brigas homéricas com mães e sogras desde a gravidez ou logo que o bebê nasce.

Se não dá para odiar a mãe, se odeia a sogra. Se a mãe só é boa, a sogra só é má. Não é que o bom e o mau estão em pessoas distintas. É que a filha, agora mãe, ou o filho, agora pai, não consegue juntar na mãe internalizada dentro de si a mãe boa e a mãe má que fazem sua mãe (a mãe internalizada não é a mãe de carne e osso, mas tem sempre uma pitada dela). Se não podemos viver a ambivalência em relação à nossa própria mãe, uma parte dela, geralmente a má, é colocada em outro alguém. A sogra, a cunhada, a tia, a babá, o pai…

  1. Nas redes sociais circula o jargão “maternidade é potência”.

Onde fica a impotência das mil e uma coisas que a mãe não faz, não consegue, não acerta? Às vezes parece que é no pai, na babá, na tia, na cunhada, na sogra…

PS. Sim, tem muitos pais que realmente não fazem, não conseguem, não acertam porque são ausentes.

“Maternidade é ambivalência” me parece um jargão melhor. Como mostrou Parker, é o contato com ela, a ambivalência (e não a potência), que torna possível imaginar uma vivência criativa ao ser mãe. A ambivalência torna possível criar a própria maternidade (a maternidade e a maternidade própria) e os filhos.

  1. No consultório, cada vez mais, escuto mães que amamentam seus filhos mesmo odiando amamentar.

O ódio ao filho é em alguma medida deslocado para a amamentação, justamente porque vivemos em uma cultura em que não se pode odiar – temporária e pontualmente – o filho? O revés parece apontar para a dor de “meu filho disse que me odeia!”. Que bom! A ambivalência é uma condição humana. Temos aí humanos e não apenas robôs amáveis e que amam o tempo todo.

O problema não é a ambivalência, mas sim se fixar a um dos opostos que ela carrega. Ambivalência é sinal de saúde. E criatividade. Fixação, não.

Imagem: Freepik.

Sobre a Patrícia L. Paione Grinfeld.

Se vivenciar a ambivalência não está sendo fácil, conheça nosso atendimento psicológico.