A literatura é uma janela para mundos. Mundos parecidos, mundos distantes, mundos sonhados, mundos nunca imaginados. Mundos sempre desconhecidos simplesmente porque não são os nossos ou porque nos afetam de um jeito novo.

Aqui você encontra um pouco de nossos achados literários atravessados pelo tema da parentalidade. Acreditamos que cada desses "achados" rompem com o ideal de maternidade e paternidade dos nossos tempos, permitindo a quem os lê uma experiência estética que toca o corpo e a alma, ampliando leituras sobre ser mãe, ser pai, ser filha ou filho. Sobretudo, sobre ser humano, em sua complexidade e diversidade.

Se tiver sugestão de algum livro que não está aqui, escreve pra gente. E não deixe de conhecer nosso Clube de Leitura: um encontro online e mensal, no qual discutimos uma obra literária previamente selecionada e lida pelos participantes.

Aline Bei

O peso do pássaro morto, Nós, 2017 ● Neste romance de estreia da autora e vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura 2018, somos levados à vida de sua personagem entre seus 8 e 52 anos de idade. Aos 18 anos, nasce seu filho. Anos tão longos que depois dele, ela narra os 37. É longo pelo peso que ela, a maternidade, carrega?

Andrea Del Fuego

A pediatra, Companhia das Letras, 2021 ● Daqueles livros que a gente pega e não larga, com uma trama que nos seduz do começo ao fim, talvez por ser tão absurda quanto a vida real. Escreve Fernanda Torres na contracapa do livro: "Impossível não se deixar seduzir pela fúria insana de Cecília, a pediatra canalha. Adepta da cesariana com data marcada, a doutora detesta crianças, doulas e partos humanizados, tem desprezo pelo sofrimento materno e checa o Apgar dos recém-nascidos com a indiferença de quem segue uma receita de bolo. Tudo é permitido aos que carregam um estetoscópio no pescoço, crê a moça na sua soberba médica. O humor vil de Del Fuego tanto choca quanto fascina, nesse cirúrgico absurdo literário passado no sacrossanto momento do parto.". Se não se deparou com uma Dra. Cecília na vida real, sorte a sua. Sorte a nossa de ter uma obra como esta!

Annie Ernaux

O acontecimento, traduzido por Isadora de Araújo Pontes, Fósforo, 2022 (2000), livro do Clube de Leitura de outubro/2023 ● Prêmio Nobel de Literatura (2022), Annie Ernax é conhecida por escrever sobre fatos de sua vida, entre eles, "o acontecimento", aborto realizado em 1963 na França, aos 23 anos, quando ele ainda era proibido: "Que o modo como vivi essa experiência do aborto – a clandestinidade – remonte a uma história superada não me parece um motivo válido para deixá-la enterrada – mesmo que o paradoxo de uma lei justa seja quase sempre obrigar as antigas vítimas a se calar, em nome de que 'tudo isso acabou', de maneira que o mesmo silêncio de antes encubra o que aconteceu. É justamente porque nenhuma interdição pesa mais sobre o aborto que posso, deixando de lado o senso coletivo e as fórmulas necessariamente simplificadas, impostas pela luta das mulheres dos anos 1970 – 'violência contra as mulheres' etc. –, enfrentar na sua realidade, esse acontecimento inesquecível." (p.16-17). Enfrentar é não silenciar.

Ariana Harwiczw

Morra, amor, traduzido por Francesca Angiolillo, Instante, 2019 (2012) ● Parte de uma triologia, o romance incomoda. É o incômodo do sofrimento, que ganha relevo com a maternidade: "Vou entrar. Vou desistir de esperar que os céus desçam à terra. Vou refrear minha demência, vou usar o banheiro. Vou colocar o menino para dormir, masturbar o homem e deixar a insurreição para outra vida. Eu, que queria um filho não declarado. Sem registro. Sem identidade. Um filho apátrida, sem data de nascimento, sem sobrenome, sem condição social. Um filho errante. Não parido em uma sala de partos, mas dado à luz no canto mais escuro do bosque. Não silenciado com chupetas, mas embalado com meu grito animal. O que me salva nesta noite e no resto não é de jeito nenhum o amor do meu homem ou do meu filho. O que me salva é o olho dourado do cervo, ainda me olhando." (p.63). Quem é a mulher que se torna mãe? Ela é muito diferente daquela que não era mãe?

Buchi Emenecheta

As alegrias da maternidade, Editora Dubliense, 2018.

Carola Saavedra

Com armas sonolentas, Companhia das Letras, 2018.

Carolina Maria de Jesus

Quarto de despejo: diário de uma favelada (edição comemorativa), Ática, 2020 ● Como é ser mulher, preta, pobre (favelada) e mãe de três filhos, um de cada pai? Em meio à miséria, fome e violência, Carolina escreve. "Encontrei com dona Nenê, a diretora da Escola Municipal, professora do meu filho João José. Disse-lhe que ando muito nervosa e que tem hora que penso em suicidar. Ela disse-me para eu acalmar. Eu disse-lhe que tem dia que eu não tenho nada para os meus filhos comer." (p.96). Uma mãe consegue se acalmar quando não tem com o que alimentar seus filhos? De comida. De palavras. De afeto.

Cho Nam-Joo

Kim Jiyoung, nascida em 1982, traduzido por Alessandra Esteche, Intrínseca, 2022 (2016) ● Livro de escrita simples, mas nada simplista, retrata a história de Jiyoung, mulher coreana, portadora do nome mais comum entre as mulheres daquele país, que deixa o trabalho no final da gestação da primogênita para se dedicar aos cuidados da filha. Quem é ela nessa nova vida? E que "loucura" é aquela que a acomete? Ela é "todas as mulheres" (como descrito na contracapa do livro) nascidas nos anos 1980, antes e depois, na Coréia, no Brasil e em muitos outros cantos do mundo. Um livro que possibilita a todas as Marias daqui (ou do mundo) se reconhecer na Maria de lá. Um livro que todo homem, líder de empresa e governante precisa ler.

Colombe Schneck

Dezessete anos, traduzido por Isadora Pontes e Laura Campos, Relicário, 2023 (2015) ● "No momento em que na Europa a legislação sobre a interrupção voluntária da gravidez é questionada, enquanto se continua a falar sobre a banalização do aborto e se inventa até mesmo a noção de aborto por conveniência, preciso contar o que significou e o que ainda significa para mim esse 'acontecimento'." (p.11-12). Esse "acontecimento" faz referência ao livro homônimo escrito por Annie Ernaux [ver acima], mas num contexto totalmente diferente. Em 1984, quando Colombe tinha 17 anos, o aborto já era legalizado na França. E porque o fez, "Sua ausência me permitiu ser a mulher livre que sou hoje" (p.73). Um livro curto. Profundo.

Cristovão Tezza

O filho eterno, Record, 2015 (2007) ● Vencedor de diversos prêmios literários, o romance tem como pano de fundo a vivência de um pai que, no nascimento do filho, recebe a notícia de que ele tem um pequeno problema: "mongolismo" (as aspas, aqui, são literais). Como é receber essa notícia? Como é se fazer pai de um filho tão diferente do esperado? Como é ter um filho com uma questão orgânica ainda pouco conhecida? Como é ter um filho eternamente dependente? Qual espaço esse filho terá na vida do pai? São perguntas que, ainda que não postas exatamente desta maneira, compõe a narrativa deste e de muitos outros pais (e mães) que recebem o diagnóstico de alguma síndrome ou patologia crônica que acompanhará toda a vida do filho, e do pai.

Elena Ferrante

A filha perdida, Intrínseca, 2016.

Dias de abandono, Biblioteca Azul, 2016.

Eliane Brum

Uma duas, Arquipélogo Editorial, 2018.

Gabriela Aguerre

O quarto branco, Todavia, 2019.

Guadalupe Nettel

A filha única, Todavia, 2022.

Jaqueline Vargas

Aquela que não é mãe, Buzz Editora, 2021.

Kim Hye-jin

Sobre minha filha, traduzido por Hyo Jeong Sung, Fósforo, 2022 (2017) ● Na vida adulta, a filha, "perfeita" na infância, está muito longe da idealização materna: que ela tenha marido e filhos, formando uma família como "tem que ser". As escolhas da filha não correspondem às expectativas da mãe. Sua rigidez é tão grande que nem mesmo é capaz de deixar sair de sua boca palavras que abomina, mas dizem de sua filha: homossexual, lésbica, namorada. É o cuidado com Zen, uma senhora idosa e com perda de memória, que faz a mãe ter que se haver com o que é uma família. Difícil ser uma mulher tão dura com a filha, tão cuidadosa com a idosa-filha. Um conflito visceral.

Leïla Slimani

Canção de Ninar,  Planeta do Brasil, 2018.

Mieko Kawakami

Peitos e ovos, traduzido por Eunice Suenaga, Intrínseca, 2023 (2019), livro do Clube de Leitura de novembro/2023 ● "Sensação de assombro" foi a expressão que Haruki Murakami usou para se referir à sua primeira leitura deste livro. Assombro porque surpreende e encanta pela simplicidade nada simplória de uma escrita sobre conflitos humanos ao mesmo tempo banais e complexos: corpo feminino, relação mãe-filha, dúvida e desejo por ter filho e ser filho(a).

Pilar Quintana

A cachorra, Intrínseca, 2020.

Os abismos, Intrínseca, 2022.

Tati Bernardi

Você nunca mais vai ficar sozinha, Companhia das Letras, 2020, livro do Clube de Leitura de setembro/2023 ● O humor ácido de Tati Bernardi conta a estória de Karine, uma mulher de 35 anos que vive (a neura de) sua primeira gravidez. O enredo é tecido durante os exames de pré-natal, quando a personagem empresta os ouvidos de Beth, a técnica do laboratório, para recordar (ou seria, "recordar, repetir, elaborar", como nos ensinou Freud em texto de 1914?) sua história, sobretudo de filha e "namoradeira" – papeis perdidos depois que uma pessoa se torna mãe?

Tiago Ferro

O pai da menina morta, Todavia, 2018 ● Ganhou o Prêmio São Paulo de Literatura na categoria "Melhor Romance de Ficção de Estreia" (2019) e o Prêmio Jabuti na categoria "Romance" (2019). Um tanto autobiográfico, um tanto ficcional, a escrita é fragmentada como são os pensamentos de uma pessoa enlutada. Duro, difícil, doído (e doido?) como é o luto pela perda de um filho [uma menina aos 8 anos]. Maravilhoso, como são as palavras quando ganham vida [durante o processo de luto].

Sheila Heti

Maternidade, traduzido por Julia Debasse, Companhia das Letras, 2019 (2018), livro do Clube de Leitura de agosto/2023 ● O livro começa com uma nota de que nas páginas que se seguem foram utilizadas três moedas inspiradas pelo I Ching. Moedas que, vamos entender, respondem inúmeras perguntas sobre a vida da narradora apenas com "sim" ou "não". Então, por que ela não faz às moedas a pergunta que tanto a inquieta: ter ou não filhos? Talvez porque essa pergunta não se responda por um simples "sim" ou "não", mas por um bordado desenhado por um fio que liga diálogos com outras mulheres, com o parceiro e consigo mesma, incluindo a relação com os pais.

Valter Hugo Mãe

O filho de mil homens, Biblioteca Azul, 2016 (2015) ● Da contracapa do livro, que dá uma boa dimensão do quão tocante ele é: "A solidão, para Crisóstomo, é um filho que não se tem. Aos quarenta anos, o pescador decide buscar o que lhe falta. Vai encontrar no jovem Camilo, órfão de uma anã, a chance de preencher a metade vazia, e em Isaura, enjeitada por não ser virgem, a possibilidade de ser mais completo. Com personagens tão excêntricos quanto humanos, que carregam suas tragédias com lirismo e ingenuidade, o festejado Valter Hugo Mãe povoa o vilarejo litorâneo onde a vida é levada com singela tristeza e a esperança do amor faz surgir uma alegria pequena, mas firme, porque construída com o possível". E o que é a parentalidade se não uma construção com o possível?