Durante muito tempo a ideia de casal, na nossa cultura, esteve associada a um homem e uma mulher que se uniam pelo casamento para constituir uma família – a chamada família burguesa ou nuclear. Com finalidade de procriação e marcada pela divisão de papéis (homem/marido/pai provedor e mulher/esposa/mãe responsável pelos cuidados do lar e dos filhos), essa união tinha caráter duradouro: “até que a morte os separe”.

Com o advento e incremento dos métodos contraceptivos, os movimentos feministas e, mais tarde, as técnicas de reprodução assistida, o laço homem-mulher não mais se limitou à construção da família e à realização da vida afetivo-sexual. Divórcio, sexo fora do casamento e casamento sem filhos, ou mesmo sem sexo, tornaram-se opções.

Ao lado dessas mudanças, a legitimação social de outras formas de vínculo afetivo-sexual, como as uniões homotransafetivas e as relações não monogâmicas, ampliou o conceito de casal para além do duo homem-mulher. Assim, podemos definir casal como o par – e trisal, o trio – de pessoas (independentemente do gênero) que se escolhem mutuamente para compartilhar uma relação afetivo-sexual. Essa ligação requer um investimento (libidinal) recíproco e se desenha a partir de elementos conscientes (afinidades, por exemplo) e inconscientes (relações objetais primitivas).

Especialmente no início do relacionamento, idealizamos que o outro oferece (ou pode oferecer) o que nos falta, na ilusão de uma complementariedade. Não por acaso as populares expressões “cara metade” ou “tampa da panela” ilustram o “casal perfeito”, completo.  Aos poucos, descobrimos que não é bem assim. O resultado dessa descoberta – a desidealização – leva tanto ao desenlace quanto à construção do amor.

Para ser de fato amorosa, uma relação precisa que cada um seja um, com ideias, pensamentos, interesses e vontades próprias. Ou seja, para haver amor é preciso que haja alteridade e não que seja “tudo junto e misturado”, formando uma “coisa só”, ainda que vivida em corpos separados.

Nas situações em que é difícil ao casal discriminar quem é quem e o que é de quem na relação, surgem impasses e crises que comumente se apresentem sob a forma de:

▪ ciúme, traição

▪ hostilidade, brigas, agressão e violência

▪ dificuldades na comunicação

▪ conflitos com a família de origem

▪ problemas na relação com os filhos

Outras situações que frequentemente apresentam pontos de tensão na relação conjugal são as que envolvem questões relacionadas à sexualidade (impotência, infertilidade, diminuição da libido, abertura do relacionamento, entre outros), decisão pela (não) parentalidade, surgimento de doenças, morte na família e mudança/perda de emprego. Nessas situações – e noutras que causam sofrimento ao casal ou aos filhos (quando os sintomas da criança refletem a dinâmica do casal parental) – a psicoterapia de casal, também denominada psicoterapia vincular, é indicada.

A psicoterapia de casal é realizada com casais casados formal ou informalmente, enamorados, amantes, ex-casais ou casal parental. A partir da história do casal, do lugar que ocupam na família de origem e dos relatos e dinâmica apresentados, as intervenções do terapeuta apontam para os aspectos indiscriminados da relação para que estes possam ser ressignificados, abrindo espaço para a manifestação das individualidades. Para os casais mais indiscriminados (fusionados), a relação terapêutica é uma importante oportunidade para o casal experimentar a entrada de um terceiro (o terapeuta) de uma forma menos ameaçadora, favorecendo a separação (simbólica e, por vezes, concreta).

A separação (rompimento da relação), tão temida por muitos casais, é motivo de resistência à psicoterapia. Porém, vale lembrar: separar (discriminar) é o que nos faz um. Por isso, a psicoterapia de casal sempre separa – se separa “os corpos” (pelo desenlace), não temos como saber de antemão, mas que separa a unidade “tampa-panela” para poder melhorar ou transformar a relação conjugal, isso é inevitável, ou melhor, essa é sua intenção.

Nesse sentido, a psicoterapia de casal não é um espaço para dois apenas porque recebe duas pessoas, mas porque ela ajuda na expansão e expressão da individualidade. Quando atingimos esse objetivo, a psicoterapia de casal termina, podendo o trabalho de autoconhecimento ser continuado em psicoterapia individual.

Nota: Este texto foi produzido a partir do bate-papo realizado com os alunos do curso de Psicologia da UNIFAE em 09/02/2023.

Sobre a Patrícia L. Paione Grinfeld.

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