Que estória você criaria a partir dos dados dessa imagem?

Esses são dados de um jogo chamado Story Cubes, um jogo muito interessante para a criação de estórias nos atendimentos psicológicos ou psicoterapêuticos.

Num primeiro momento parece impossível juntar figuras tão “nada a ver uma com a outra”. Mas é justamente por não serem óbvias umas às outras que o jogo é um recurso interessante.

Tal como desenhar e brincar livremente, criar uma estória exige que entremos em contato com o que há de mais íntimo em nós mesmos.  Nesse “encontro”, nos deparamos com nossos medos, angústias, conflitos etc., bem como com nossos recursos, mas de um jeito menos ameaçador e, portanto, menos defendido.

As regras do jogo variam conforme a dupla que joga: quem joga os dados cria a estória; um participante joga os dados e o outro cria a estória; cada jogador cria uma estória a partir dos mesmos dados; um começa a estória numa jogada e o outro continua na seguinte, e assim por diante. As regras podem mudar ao longo do jogo, já que o objetivo é deixar que a narrativa se construa da maneira mais espontânea possível. Vejamos um recorte clínico.

Uma criança em processo de término de análise pede para jogar o jogo. Ela propõe que cada uma de nós (ela e eu) jogue os dados e crie sua própria estória. Antes da primeira rodada pergunta o que significa uma das figuras (a imprecisão de alguns dos desenhos contribui ainda mais para que as narrativas se construam a partir do acesso ao inconsciente). Ao invés de dizer o que vejo (uma barata), pergunto o que ela vê (um pudim, uma flor); digo que vou contar-lhe o que vejo quando aquela figura for “sorteada” por mim. Rimos.

Ela é a primeira a jogar os dados e a criar a estória. Na minha vez, dou sequência à sua estória porque achei que isso fazia sentido em função de um elemento que conectei à sua história (às vezes são necessárias algumas rodadas meio “sem pé nem cabeça” para que possamos construir algum sentido). Ela joga novamente, dando continuidade à nossa estória. Ao finalizar, digo que eu contaria aquele trecho  (ou “leria” aqueles dados) de outra maneira. Ela fica interessada. “Releio” os dados fazendo uso de elementos que têm a ver com seu trabalho analítico – a “nossa” história, mas, sobretudo, a sua história. Depois, ela joga os dados, continua a estória e, na minha vez, faço o mesmo. Seguimos nessa ordem mais algumas rodadas.

Por meio de personagens e elementos encontrados no caminho (nos dados) – a barata, o pudim e a flor foram alguns deles –, a narrativa construída coletivamente foi cada vez mais se aproximando de sua própria história, permitindo-nos contar de uma maneira lúdica sobre seu processo psicoterápico e sobre os recursos que ela desenvolveu.

Contar uma estória pode ser um jeito de contar, elaborar e recriar a própria história. Como desenhar e brincar.

Sobre a Patrícia L. Paione Grinfeld.

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