A pandemia mudou a forma de iniciar uma conversa. O “tudo bem?”, interessado ou quebra-gelo, já não cabe mais. Sabemos que não, não está tudo bem.

Não tem como estar tudo bem quando a vida vira de ponta cabeça “da noite para o dia”, sem nenhum preparo prévio. Crianças que haviam tido um cuidadoso período de adaptação escolar um ou dois meses antes, ou já haviam experimentado a interrupção das aulas com o gradual anúncio das férias (possivelmente com alguma organização da família para tê-las em casa), por exemplo, um belo dia acordaram e não foram à escola por causa do “colonavilus”, o maldito. Maldito mesmo; pela destruição que ele causa, mas também pelo mal e pelo não dito.

É mal dito quando as palavras vêm na forma de meias palavras: “tem que ficar em casa porque a escola fechou”. Sem dúvida a escola fechou e é preciso estar em casa. Mas, a escola fechou como medida de proteção à toda a população, já que o coronavírus, um bichinho minúsculo, que não conseguimos ver com os olhos, se espalha rapidamente, e a principal forma de proteger a todos é não encontrando as pessoas fisicamente. É mal dito quando carrega uma mensagem dúbia. “Tudo bem” é face da mesma moeda do sono que não está mais tranquilo, do cansaço que se intensificou, da dor no peito que aparece “do nada”, do xixi na cama que voltou, da irritabilidade que não vai embora…

Por mais que algumas palavras sejam bem ditas, precisamos abrir espaço para aquelas que, direta ou indiretamente, remetem à destruição.

Com o início das aulas online na educação infantil, por exemplo, muitas das crianças acima citadas se recusaram a entrar na nova sala de aula (ou suportaram estar por pouco tempo diante da tela – e aí, a questão não é a tela, que tanto as capturam). Podemos imaginar a frustração dos pais, que têm se desdobrado para dar conta desta e de tantas outras tarefas, como também dos professores/escolas que estão trabalhando arduamente para redesenhar um modelo de transmissão de conhecimento (coloco “transmissão de conhecimento” pois sabemos que para crianças pequenas esse meio não consegue abarcar dimensões da experiência corporal tão essenciais para a aprendizagem na primeira infância). A recusa das crianças pode estar ligada tanto ao mal dito (encerramento abrupto da escola e início, também abrupto, da nova configuração), quanto ao não dito decorrente sobretudo da raiva que sentiram por perderem algo que vai muito além de aulas.

Ficar resistente, colocando nas crianças a recusa como um comportamento rebelde, difícil ou nos pais/professores a impotência por não conseguirem manter as crianças frente à tela-aula, é permanecer diante do mal dito. A recusa é uma forma de comunicação. Do medo, da tristeza, da dor, da raiva, da dúvida, da angústia. Por mais que pareça paradoxal, a psicanálise nos ensinou que falar é a melhor ferramenta para minimizar o medo, a tristeza, a dor, a raiva, a dúvida, a angústia. Falar não aos quatro ventos, mas endereçando a fala a alguém que possa escutar, acolher.

Não é viável escutar uma criança quando achamos que ela, que não acompanha os noticiários, não tem ideia do que se passa mundo afora (ela não tem a dimensão da complexidade mundana, mas capta a angústia dos adultos à sua volta – e fica angustiada com isso) ou quando subestimamos as preocupações e sofrimentos dela (“só porque não pode ver os amigos… ela não tem contas a pagar”), esquecendo-nos que os amigos e a escola têm grande importância vida dela. Não é viável escutar uma criança quando estamos tomados por nossos próprios barulhos internos. E quem não está?

As crianças, assim como nós, adultos, estão em sua maioria sofrendo em silêncio. Assustadas, não querendo ficar sozinhas, com pesadelos, com medo do escuro, com medo de morrer, com medo de que alguém querido morra. Não é pra menos. Não está tudo bem. Estamos todos, negando ou com alguma consciência, atravessados pela angústia da morte. E é por isso que, mais do que nunca, precisamos falar sobre esse tema que tanto nos apavora: consigo mesmo, entre adultos e com as crianças.

Se não dá para dizer com convicção “está tudo bem”, que pelo menos possamos dizer, genuinamente, “estamos juntos”, apesar de, em muitas situações, fisicamente separados.

Imagem: Akshar Dave, por Unsplash.

Sobre a Patrícia L. Paione Grinfeld.