No início desta quarentena minha amiga Lucia Ramos Monteiro comentou que mães poderiam ter certa facilidade de adaptação, uma vez que viveram a experiência de isolamento no puerpério. A comparação é genial e talvez ainda mais oportuna e profunda do que imaginávamos naquela conversa.

O isolamento social necessário para o combate à Covid-19 é um evento inédito, único e abrupto em nossas vidas. Incompreensão, estranhamento, vulnerabilidade, desamparo, medo, desespero, solidão são alguns dos sentimentos que nos tomam, paralisam e desorientam neste momento.

Frente ao isolamento social também nos vimos mergulhados no pandemônio de informações e ofertas de fórmulas que garantiam a forma ideal de se viver uma quarentena. Contudo, e ainda bem, chegamos à dura constatação: nossas angústias são particulares e diariamente mutantes. Assim, a capacidade para encontrar caminhos singelos e pessoais de viver este novo tempo dependerá da aceitação dolorosa de nossas ansiedades e impossibilidade de controle; dependerá do tempo, do silêncio e da generosidade conosco, com os outros e dos outros.

Agora vejam: a chegada de um filho (seja ele o primeiro, segundo ou oitavo) é uma experiência também inédita, singular e abrupta na vida de uma mulher. Vulnerabilidade, estranhamento, medo, insegurança, desamparo e solidão são sentimentos inerentes à maternidade. Curioso que praticamente usei as mesmas palavras para tentar ilustrar tanto a experiência do isolamento social quanto a chegada de um filho – e isso não é mera coincidência.

Bem, é que minha sugestão vai no sentido de que, se a experiência que estamos vivendo tem características semelhantes à da chegada de um filho, pode ser que em alguns aspectos a experiência frente à pandemia possibilite um incremento em nosso olhar para a maternidade. E um olhar incrementado é um olhar aumentado, um olhar de quem consegue colocar um pé no sapato do outro, mantendo o outro pé no próprio sapato; é um olhar que tem maior possibilidade de empatia, de identificação. E para que uma mãe possa viver a maternidade de maneira pessoal e singela, ela precisa fundamentalmente que aqueles que irão ampará-la reconheçam a singularidade da chegada daquele filho que a inunda de desamparo, medo, vulnerabilidade e insegurança.

Talvez o mais difícil para aqueles que estão ao seu redor seja perceber que uma mãe por vezes precisa de coisas muito simples, porém nada simplórias ou óbvias. Você se lembra quando, no início da quarentena, precisou chorar porque tudo transbordava? Então, uma mãe chora porque a experiência da chegada de um filho é grande demais, não cabe, precisa verter. Nesses momentos de transbordamento muitas vezes precisa-se apenas da simplicidade de um colo generoso capaz de olhar, segurar e guardar: mãe e choro.

Nestas últimas semanas você sentiu alívio quando leu ou ouviu que tudo bem você não estar dando conta de sua nova rotina? É que no início, para não encarar o terror da imprevisibilidade e desconhecimento da quarentena, por um tempo tentamos manter a rotina e performance da vida pré isolamento, e isto nos colocou em franco desnorteamento. Porém, à medida em que fomos recebendo algum suporte – pessoas dizendo que ok não darmos conta da rotina como dávamos antes, amigos compartilhando a mesma sensação de desorientação, a vizinha que deixou um bolo na sua porta, a aceitação de que o almoço não será servido às 13:00 e terá aquilo que sobrou de ontem (sentados na lavanderia para aproveitar o restinho de sol) – fomos encontrando possibilidades para nos reconhecermos e sermos criativos neste novo cenário.

Agora troque as palavras “isolamento social” para “chegada de um filho” nos parágrafos acima e você terá pistas importantes das necessidades de uma mãe; e num vice-versa talvez possamos entender que mães veteranas sintam alguma familiaridade com as intempéries desta quarentena…

 

Imagem: Adam Nieścioruk, Unsplash.

 

Texto escrito por Patrícia Piva Amaro.

A Patrícia é psicanalista, com pós-graduação em psicanálise na perinatalidade e parentalidade (Instituto Gerar). É também formada em direito (Mackenzie), pós-graduada pela FGV e MBA (Universität Wien, Áustria). Embora imersa por mais de quinze anos no mundo do direito, a psicanálise, e principalmente seus desdobramentos quanto à Ética do cuidado, sempre lhe despertava interesse. Entre 2008-2011 acompanhou os trabalhos de obstetras, doulas e clínicas pediátricas na Áustria e Holanda. Em 2012 iniciou sua formação em psicanálise no IBPW (Instituto Brasileiro de Psicanálise Winnicottiana) e em 2015 encerrou sua carreira de advogada para iniciar a de psicanalista e disseminadora dos ensinamentos de Winnicott. Em sua clínica na cidade de São Paulo, além de atendimentos individuais, desenvolve trabalhos em grupo mesclando literatura e estudos da teoria winnicottiana.