No último 08 de maio, Dia das Mães, o jornal americano Washington Post publicou uma reportagem sobre o aumento do índice de depressão perinatal e pós-parto na pandemia, alertando para a necessidade de cuidado à saúde mental na perinatalidade, período que inclui a gestação e o primeiro ano de vida do bebê. A reportagem destaca a falta da rede de apoio como um fator importante para a depressão pós-parto e apresenta dados de uma pesquisa realizada pela Escola de Enfermagem da Universidade de Michigan, Estados Unidos, para descrever a patologia e fatores de risco associados.

A pesquisa citada contou com a participação de 670 puérperas – maiores de 18 anos, majoritariamente brancas e casadas, e residentes nos EUA – entre fevereiro e julho de 2020 e incluiu, além de dados demográficos, a Escala de Depressão Pós-Parto de Edimburgo (EPDS). A EPDS é um conhecido instrumento de rastreio de sintomas depressivos frequentemente observados no puerpério. Embora seja utilizada como instrumento de (auto) avaliação para depressão pós-parto, entendemos que os diagnósticos em saúde mental não podem ignorar a história de cada indivíduo e seu contexto sociocultural.

Dessa amostra, 38,2% triaram positivo para depressão pós-parto e 28,1% para depressão maior, revelando índices mais elevados de depressão pós-parto do que em período anterior à pandemia (6,5-12,9%). As puérperas que alimentavam seus bebês com fórmula infantil apresentaram 92% mais chances de triagem positiva para depressão pós-parto e 73% mais chances para depressão maior do que as que tiveram seus bebês nutridos por leite materno (os autores atribuem o uso da fórmula à redução da rede de apoio à amamentação). Das mulheres cujos bebês foram internados em UTIN, a triagem positiva para depressão pós-parto foi 74% maior do que entre as mulheres que não passaram por essa experiência (apesar das internações neonatais serem um fator de risco à saúde mental materna, os autores relacionam esses números às políticas restritivas de visitação nas internações durante a pandemia). Aquelas muito preocupadas em se contaminar ou ter o bebê contaminado por Covid-19 tiveram 71% mais chances de triagem positiva para depressão pós-parto do que as não estiveram tão preocupadas com a contaminação e 7,6% das participantes relataram ter pensamentos sobre se machucar e, entre as puérperas que triaram positivo para depressão pós-parto, 18,75% relataram ter pensamentos de automutilação (os autores destacam que mesmo antes da pandemia as taxas de suicídio na perinatalidade estavam aumentando). A cada aumento de 1 semana nas semanas após o parto aumentavam as chances de triagem positiva para depressão pós-parto (o que, segundo os pesquisadores, se alinha com a psicopatologia da depressão pós-parto que se inicia algumas semanas depois do nascimento do bebê).

Pesquisa semelhante foi realizada no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo durante o período de isolamento pela pandemia. A pesquisa brasileira teve a participação de 184 puérperas – com ou sem Covid1-19, em média no 56º dia após o parto, a maioria branca e morando com companheiro e quase um terço dona de casa. Além do levantamento de dados demográficos e aplicação da EPDS, a pesquisa utilizou a Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HDA) para determinar fatores associados aos sintomas depressivos.

Entre os dados obtidos, 38,8% da população pesquisada apresentou sintomas compatíveis com depressão pós-parto (dados quase idênticos aos apurados pela pesquisa americana). Este número se apresenta bastante elevado quando comparado a outros estudos brasileiros citados pela pesquisa: 15,9% com população do mesmo serviço (Faisal-Cury et al., 2004) e 20% com população brasileira (Lobato et al.,2011); ou, 25% conforme pesquisa realizada em 2016 pela Fiocruz, mas não incluída na revisão feita pela pesquisa da Universidade de São Paulo. Com relação à ideação suicida, 14,3% triou positivo para a depressão pós-parto. Os autores apresentam taxas de ideação suicida no pós-parto apurados por outras pesquisas brasileiras antes da pandemia: entre 4-5% (Tabb et al., 2018; Biscegli et al., 2017), em torno de 20% (Cardillo et al., 2016; Santos et al., 2017), 11,5% em puérperas no sul do Brasil (Tavares et al., 2012) e 5% entre gestantes (e não puérperas) no mesmo serviço (Benute et al., 2011).

No que se refere ao isolamento social, 11,8% faltaram a uma consulta de pré-natal por medo de ir à clínica. Essas mulheres tiveram pontuação mais elevada na HDA devido à ansiedade e reportaram maior ansiedade devido às notícias relacionadas à pandemia e menor quantidade de atividade fora de casa. Mais de um quarto da população pesquisada (26,8%) relataram brigas familiares.  

Um dado pesquisado extremamente importante refere-se ao efeito das notícias relacionadas à pandemia na vida dessas mulheres. O número médio de horas diárias ouvindo notícias sobre a pandemia foi de 4,45 horas. As mulheres com depressão pós-parto dispenderam 5,6 horas diárias versus 3,7 horas diárias entre as que não apresentaram sintomas depressivos. As notícias que mais causaram preocupação foram o número de mortes (88%) e a falta de leitos hospitalares (58%).

Os dados de ambas as pesquisas mostram velhos conhecidos da clínica da perinatalidade: fragilidade da rede de apoio, condições ansiógenas e violência são fatores de risco à saúde mental materna. Portanto, para promover a saúde mental na perinatalidade é preciso ampliar e fortalecer a rede de apoio em nível material (suporte financeiro e serviços) e emocional, e localizar as fontes de ansiedade e violência no âmbito individual e coletivo.

Ao cuidar da saúde mental materna exercemos um duplo cuidado, já que a saúde mental da mãe, quando ela cuida de seu bebê, reflete diretamente na saúde mental do bebê e, portanto, no seu desenvolvimento. Nesse sentido, cuidar das mães é cuidar do futuro! Cuidemos juntos. 

Imagem: Pixbay.

Sobre a Patrícia L. Paione Grinfeld.

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