O título do texto já traz, em si, a afirmação de que existem diferenças a depender da forma com que os filhos chegam e a família é formada. Esse não é um posicionamento pautado em qualquer tipo de preconceito, pois não se trata de valorar positiva ou negativamente uma ou outra família. O objetivo é chamar atenção para as especificidades de cada situação e favorecer com que os pais possam fazer o melhor “pré-natalpossível.

Diz-se que “quando nasce um filho, nasce um pai e uma mãe”. Essa equação traz a ideia de que os pais vão se constituindo quase ao mesmo tempo que o filho. As preocupações e questões que saltam aos olhos e ao coração dos pais estão muito relacionadas às fases de desenvolvimento e amadurecimento do filho desde a gestação, e continua assim após o nascimento.

Entretanto, nas famílias formadas a partir da adoção, há uma inversão: primeiro nascem os pais e depois estes encontram seus filhos. E então, nascem os filhos para aqueles pais e pais para aquela criança ou adolescente. É comum o relato de candidatos à adoção – durante os processos iniciais do cadastramento de pretendentes à adoção – que já se sentem pais, e sentem como se o filho já tivesse nascido e se “perdeu” deles. A expressão “não veio de mim, mas nasceu para mim”, tão comum em declarações de famílias adotivas, parece querer traduzir esse sentimento de quando pais e filhos se encontram.

Entretanto, é importante ressaltar que sentimentos são individuais, particulares. Não são todos os pretendentes à adoção que vivenciam a espera dessa forma – e ainda bem que somos diferentes! Para além de como cada um vive a espera pela chegada do filho, quero chamar atenção para a importância dos pais “cheguar primeiro” na filiação adotiva.

Os tempos de pré e pós adoção são experimentados, em geral, de forma completamente diferente se comparado ao pré-natal e pós-parto na filiação biológica. Apesar da adoção ser uma forma de filiação que existe desde tempos antiquíssimos, a forma como ela é possibilitada e regulamentada é muito particular de nosso momento histórico atual, social e geográfico. Tais mudanças culturais vêm possibilitando que preconceitos sejam superados e que se considere a adoção como uma forma, dentre outras, de se ter filhos.

Apesar disso – a não ser que tenhamos contato próximo com alguém que tenha tido filhos via adoção – nosso imaginário está povoado pela ideia de que a maternidade e a paternidade acontecem de forma gradual, em que se tem 9 meses para se preparar emocionalmente, despedir-se da vida sem filhos, preparar a casa, etc. A partir do nascimento, as preocupações e demandas do bebê irão se tornar mais complexas gradualmente, na medida de seu desenvolvimento e amadurecimento. Mesmo que essa imagem seja uma romantização da parentalidade, a experiência real pode coincidir em muitos pontos. Já a experiência da adoção, na maioria das vezes, não tem essa equivalência. Normalmente o início acontece em slow motion, para depois, com a chegada do filho, tornar-se uma montanha russa em timelapse (ou câmera-rápida)!

Eu diria que o início acontece bem antes da chegada à Vara da Infância e Juventude (VIJ). Está localizado ali nos primeiros momentos em que se toma consciência sobre o desejo de ter filhos. No percurso da maioria dos pretendentes à adoção, há um longo percurso de tentativas de se ter filhos biológicos que não se realizaram, até que se começa a pensar sobre a adoção como uma possibilidade de formar a família tão sonhada. Parte-se então para busca de informações, primeiros passos para entrada do processo de habilitação a adoção, percorre-se o caminho de curso obrigatório, entrevistas até que seja dada a sentença de habilitação, quando os pretendentes são inseridos no SNA (Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento – CNJ). Após todos esses eventos há o “período de espera” até o “telefone tocar” e ser chamado para conhecer uma criança, futuro filho.

E aqui é o momento de virada, de aceleração! Após saber a história da criança ou adolescente, começa-se o período de aproximação – em que os adotantes visitam a criança no serviço de acolhimento (e não orfanato, como ainda costumamos ouvir de forma equivocada) para poder acontecer a vinculação –, e após esse período a criança vai para casa. Se fosse possível montar uma equação de equivalência eu diria que a soma de 9 meses (que seriam da gestação) com alguma proporção relativa à idade da criança é vivida em pouquíssimo tempo (geralmente, em torno de 1 ou 2 meses). Por isso é importante que os pais cheguem antes, é preciso que os adotantes estejam preparados e já tenham em sua bagagem emocional ferramentas para que possam lidar com muitas das emoções suscitadas – neles e no filho – em um ritmo vertiginoso e alucinante, mas também apaixonante!

Ansiedade, medo de não dar conta, dúvidas, revivescência da história da própria infância, não saber como reagir frente a alguma expressão de comportamento da criança, são alguns dos sentimentos vivenciados pelos adotantes. Por outro lado, as crianças também podem sentir insegurança, medo de não dar certo e ser “devolvido”, uma certa tristeza pela despedida das pessoas que foram seus cuidadores e pares no serviço de acolhimento, às vezes apresentar regressão (temporária) a fases anteriores do desenvolvimento. Será a construção dos laços afetivos entre pais e filhos que vai dar a sustentação para que as dificuldades – intrínsecas ao processo de tornar-se pai e mãe – possam ser superadas. E cabe ao adulto da relação, ou seja, aos pais, manter o controle. Com isso não quero dizer que os pais devem saber tudo de antemão, afinal, essa missão é fadada ao fracasso por ser impossível. Mas os pais adotivos têm algumas tarefas: devem estar abertos para acolher as dificuldades da criança ou adolescente, previamente avisados das muitas questões que possam surgir, lembrarem-se que sempre haverá surpresas e nunca será exatamente como foi planejado, e saberem, inclusive, quando é hora de pedir ajuda.

Mas como se preparar? Há literatura especializada disponível para pais adotivos, reuniões com temas diversos em grupos de apoio à adoção e instituições de atendimento à família e à comunidade. Entrar em contato com os temas que perpassam na adoção, vai possibilitando aos pais não serem pegos de surpresa e também, de alguma forma, já terem pensado sobre como lidariam com a questão e terem referência de como outras pessoas lidaram. A participação em reuniões tem grande potencial de promover a construção de rede de apoio, tão necessária em nossos tempos, que irá ajudar os pais tanto no período de espera quanto na jornada da parentalidade.

 

Imagem: Tanya Patxot, por Pixabay.

 

Texto escrito por Carla A. B. Gonçalves Kozesinski.

A Carla é psicóloga (USP), psicanalista, mestre e doutoranda em psicologia clínica (USP). Tem formação em acompanhamento terapêutico (Céu Aberto), aprimoramento multiprofissional em saúde mental (FAPESP) e pós-graduação em psicanálise na perinatalidade e parentalidade (Instituto Gerar). Trabalhou durante nove anos na área da saúde mental e desde 2012 atua na Vara da Infância e Juventude. Foi membro fundadora do grupo Gesto-Rede Psicanalítica (2007-2016) e sócia da Ninguém Cresce Sozinho (2016-2018). Atualmente integra o Laboratório de Saúde Mental e Psicologia Clínica Social do Instituto de Psicologia da USP, atende em seu consultório na cidade de São Paulo e é coordenadora de serviços na Ninguém Cresce Sozinho.