Embora a sexualidade se expresse no corpo, ela não se limita a ele. Muito da expressão sexual humana se dá em nosso mundo interno, através de fantasias inconscientes que ficam “esquecidas” (recalcadas) e, por isso, difíceis de serem acessadas. Porém, na vida cotidiana, são as manifestações que se dão no corpo ou através dele que nos chamam a atenção, especialmente quando o corpo é de uma criança. Seja pela fala, brincadeiras ou manipulações genitais, não é incomum o adulto se surpreender e reagir diante das questões e comportamentos sexuais das crianças de um jeito que não as ajuda a dar sentido às suas indagações e experiências. Repreender a criança, mudar de assunto, fingir que nada está acontecendo ou aconteceu, ou ainda, entrar em desespero por achar que a criança “aprendeu aquilo com alguém” são alguns exemplos dessas reações.

Quando o adulto é tomado por alguma manifestação sexual da criança, é preciso que ele faça o exercício de distinguir o que é expressão da sexualidade infantil (o que é esperado em cada etapa do desenvolvimento da sexualidade humana na infância) e o que pode ser expressão da sexualidade adulta na criança (erotização precoce e abuso sexual). Também, é preciso discriminar minimamente o que diz respeito às dificuldades que são do adulto e não da criança (por exemplo, falar sobre a sexualidade). Ao separar o que é do adulto e o que é da criança conseguimos, inclusive, avaliar se há algo no comportamento da criança que pode sinalizar a necessidade de maior atenção ou intervenção profissional – situações em que a criança expressa através de comportamentos sexuais sintoma de algum sofrimento ou estímulo sexual impróprio para sua idade.

Para auxiliar este trabalho, apresento a seguir as principais manifestações da sexualidade infantil e alguns comportamentos aos quais precisamos estar atentos. As idades referidas são sempre aproximadas, já que cada criança se desenvolve num ritmo próprio.

Até aproximadamente os 2 anos de idade, o bebê sente prazer, segurança e conforto ao ser carinhosamente cuidado. Aos poucos, a partir dessa experiência afetiva, ele busca repetir a vivência prazerosa de, por exemplo, sugar o dedo, o pezinho, a chupeta, um pedaço de pano, um brinquedo, em lugar do seio ou da mamadeira. Não à toa, ele leva tudo à boca!

Embora o prazer do bebê se concentre na região bucal, ele vai encontrando prazer em outras partes de seu corpo, inclusive nos genitais.

Para ficar de olho: quando o bebê demonstra apatia, irritabilidade, muito sono, desinteresse pelas coisas ao seu redor e só encontra conforto e segurança no colo, seio, mamadeira ou chupeta.

Entre os 2 e 3 anos, ou a partir do momento em que passa a controlar os esfíncteres, a criança experimenta o prazer anal com a retenção das fezes. Mais do que controle muscular, o controle dos esfíncteres indica controle sobre o próprio corpo, o que confere à criança mais autonomia, e, portanto, um domínio maior sobre o ambiente (as birras desta fase revelam que a criança quer que seu desejo prevaleça sobre o ambiente). Sem as fraldas, a criança “descobre” seu genital e ânus, divertindo-se ao manipulá-los ou exibi-los, sem que tenha nenhuma inibição com seu corpo ou o corpo de outra pessoa.

Com sua energia focada na zona anal, as crianças diminuem seu investimento na região oral, o que faz com que grande parte delas perca o interesse pela amamentação, mamadeira ou chupeta quando fazem uso delas.

Para ficar de olho: quando a criança não contesta o ambiente ou o contesta em demasia, a ponto de comprometer atividades de seu dia a dia; quando apresenta pouca autonomia para as coisas que já poderia fazer na sua idade, como comer sozinha, tirar sua própria roupa, guardar seus brinquedos, entre outros; quando apresenta apatia ou hiperatividade (sexual ou não).

Entre os 3 e 6 anos as crianças manifestam a sexualidade através da curiosidade sexual. A partir do momento em que começam a tecer suas próprias hipóteses sobre a origem da vida, passam a perguntar sobre ela (e na sequência sobre seu fim, a morte) e uma série de porquês. O desejo de saber, que nasce com a curiosidade sexual, é motor da aprendizagem, sendo por isso tão importante que as perguntas das crianças possam ser escutadas e respondidas, na medida em que vão surgindo, de forma verdadeira, clara e objetiva.

Nesta faixa etária, as crianças exploram o próprio corpo e desejam explorar o corpo do outro. Como “veem com as mãos”, querem tocar no genital alheio pela curiosidade e não por atração sexual, como ocorre a partir da adolescência. Aqui, cabe ao adulto apresentar as regras sociais que determinam as esferas pública e privada, e o que é permitido ou não fazer com o próprio corpo e o que o outro pode ou não fazer no corpo de outrem. Também, cabe ao adulto confirmar para a criança que o prazer genital existe; afinal, ela sabe disso, mas espera que o adulto em que ela confia possa validar sua constatação.

As brincadeiras sexuais infantis incluem a imitação do mundo adulto (barriga de grávida, amamentar boneca, passar maquiagem, etc., independente do sexo da criança), podendo acontecer com a criança sozinha ou com seus pares (crianças da mesma idade). Os namoricos infantis, nomeados pelas crianças e não pelos adultos (pois neste caso, trata-se da expectativa do adulto em relação à criança), quando ocorrem, referem-se à uma afeição especial a uma criança e não à atração sexual, que só estará presente com a entrada na adolescência (mesmo na puberdade, o namoro está relacionado a expectativa dos pares e não ainda ao desejo sexual pelo outro).

As crianças deste grupo etário também percebem as diferenças sexuais e querem saber sobre elas. Crianças de ambos os sexos acreditam que o pênis é o “genital universal”, isto é, as meninas o terão num futuro breve ou o perderam. Se de um lado as meninas invejam o pênis, de outro, os meninos temem perdê-lo. O temor da castração, que se dá em nível inconsciente, somado ao ciúme que as crianças têm do relacionamento dos pais, faz com que muitas receiem e, ao mesmo tempo, se tranquilizem, com histórias de lobos, bruxas, monstros e afins. Pelo mesmo motivo, pesadelos com conteúdo hostis e destruidores costumam ser frequentes, levando muitas crianças a migrarem para o quarto dos pais, inclusive na tentativa de separá-los no meio da noite (as crianças têm suas próprias hipóteses sobre o que os pais “fazem na cama”).

Para ficar de olho: quando a exploração no próprio corpo e no corpo do outro torna-se intensa e frequente, ganhando uma dimensão na vida da criança que a faz perder o interesse por outras atividades. No caso da masturbação, ela deixa de acontecer de um jeito distraído, leve (antes de dormir, assistindo TV, quando ela está brincando ou relaxada, com cara de que “está gostosinho mexer no genital”) e passa a acontecer no lugar de atividades corriqueiras da criança e com um vigor que a leva, por exemplo, a “virar os olhos”, se machucar com uso de objeto. No que se refere ao interesse pelo corpo do outro, a criança insiste em repetidas explorações no corpo de seus pares e/ou no corpo de pessoas mais novas ou mais velhas do que ela, mesmo com os limites sociais sendo colocados e suas perguntas sendo respondidas.

Dos 6 anos até a entrada na puberdade a criança muda a relação com seu corpo: ela tem autonomia sobre ele, em especial no que tange aos cuidados de higiene, e por isso, pede privacidade com a exposição corporal e com as questões da sexualidade. A energia sexual desta fase é predominantemente direcionada a outros interesses da criança, como as atividades escolares e extraescolares.

Para ficar de olho: quando a criança apresenta alguns dos aspectos anteriormente apontados e/ou dificuldade no processo de aprendizagem, expressão das emoções e socialização.

Diante das manifestações sexuais da criança, compete ao adulto manter-se a uma distância da criança que a permita expressar sua própria sexualidade com segurança e, ao mesmo tempo, mostrar-lhe os limites impostos pela cultura. Quando comportamentos que fogem ao esperado em cada etapa do desenvolvimento infantil surgem é preciso buscar ajuda profissional, já que estes comportamentos podem estar sinalizando a presença de sofrimento, quer seja de ordem sexual ou não.

Imagem: Google.

Sobre a Patrícia L. Paione Grinfeld.

Para mais reflexões sobre este tema, participe da roda de conversas sexualidade na infância: do esperado a possíveis riscos, ou agende uma consulta de orientação a pais.