É bastante comum encontrarmos nas mídias dicas de como organizar os brinquedos das crianças, especialmente próximo do final do ano e férias – creio que por razões óbvias, já que passagem de ano inspira uma nova ordem ou, ao menos, uma tentativa de, e a bagunça da criançada é inevitável quando ficam mais tempo em casa.
Embora tais dicas sejam válidas do ponto de vista da organização do espaço físico, nem sempre elas levam em conta que as formas de organização refletem o espaço psíquico de cada um, seja adulto ou criança. É por isso que muita gente não topa que alguém tente organizar sua “bagunça”, aquela onde todos se perdem, mas o dono sempre se acha.
Para as crianças, quanto mais acesso elas tiverem aos seus pertences e brinquedos, mais autonomia elas terão e mais livres elas estarão para explorar, brincar, criar e, consequentemente, serem elas mesmas.
Isso não significa que os ambientes onde uma criança habita devam ser um campo coberto por sapatos desamarrados, roupas, escovas de dentes, bolas, blocos, jogos, carrinhos, bonecos, galhinhos de árvore e afins. A harmonia em um lar também depende de que cada coisa esteja em seu lugar (inclusive pessoas!). Porém, se o ritual da arrumação for imposto e não construído com e pela criança, ela não compreenderá o sentido de manter a ordem de suas coisas. Como resultado, surgem brigas infindáveis durante ou nos momentos em que uma tarefa ou brincadeira cessa; ou ainda, e o que é pior, corre-se o risco da criança perder o foco da atividade em detrimento da arrumação.
Até os 6-7 anos, a criança não consegue conservar seus próprios objetos organizados como os adultos costumam deixá-los. Ela ajuda a arrumá-los e precisa ser ajudada na arrumação (o que é diferente de ter preguiça), já que sozinha não dá conta da tarefa. A partir desta idade as crianças começam a ter sua própria organização, que pode ser diferente da organização “ensinada” ou esperada pelo adulto. Como essa ordem representa a maneira como a criança se expressa e se encontra diante de suas coisas, ela precisa ser respeitada, exceto quando compromete a integridade de alguém ou de um ambiente (nesses casos é necessário explicar por que não se pode manter tal organização).
Para a criança, o mais interessante é que seus objetos estejam sempre ao seu alcance, e que os brinquedos possam ficar espalhados em um canto da casa durante o período em que ela está livre para brincar. As crianças param e reiniciam uma brincadeira, descobrem outra no meio do caminho. Quanto mais chance tiverem para escolher, usar e brincar com seus brinquedos, mais vivas elas serão. Se há um adulto com ela e o caos está muito grande, só faz sentido arrumar a bagunça se a arrumação favorecer a brincadeira que está acontecendo. Um jogo de dominó espalhado no chão, por exemplo, pode se transformar na mobília de uma casa, e só precisa ser guardado se ele é deixado de escanteio ou pisado no vai e vem da criança. A bagunça ou desorganização pode estar presente apenas aos olhos de quem está fora da brincadeira, pois para a criança, pode não haver nada de mais no tal caos.
Já que não dá para exigir dos pequenos a mesma arrumação proposta pelos adultos, os espaços de convivência e habitados pela criança devem ser pensados para que a autonomia e a possibilidade de escolha sejam favorecidas. É isso que, mais tarde, a possibilitará ter uma organização favorável ao seu modo de viver.
Nota: Este texto, publicado pela primeira vez em 10/03/2014 no antigo blog Ninguém Cresce Sozinho, foi revisado e alterado minimamente em seu conteúdo original pela autora.
Imagem: Google.
Sobre a Patrícia L. Paione Grinfeld.
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