Já parou para pensar quanto, do tempo em que o recém-nascido está acordado, ele passa no trocador tendo suas fraldas substituídas? Diferentemente das fraldas que são descartadas no lixo ou no cesto de roupas para lavar, o tempo no trocador não pode ser desprezado ou subestimado, pois trata-se de um tempo precioso no que diz respeito às experiências sensoriais e afetivas estabelecidas entre o bebê e seu cuidador.
No trocador o bebê é tocado, mordiscado, cheirado, beijado – carinhos que o ajudam a estabelecer uma relação prazerosa com o próprio corpo. O toque, acompanhado da troca de olhares entre o bebê e o adulto, provoca um mútuo encantamento. Ambos se olham fascinados, abrindo espaço para uma comunicação muitas vezes acompanhada de palavras, sorrisos, cantigas e brincadeiras, que no início partem muito mais do adulto, numa convocação ao bebê (a ausência da troca de olhares deve ser compartilhada com o profissional de saúde que os acompanha, pois um deles ou a dupla pode estar em sofrimento).
Quando o bebê cresce um pouquinho, por volta dos dois meses, ele começa a ecoar sonzinhos com a intenção de se comunicar. Mais ou menos aos quatro, passa a imitar o que seu cuidador faz com a boca e com as mãos. A partir do quinto ou sexto mês, o bebê interage mais, tentando, por exemplo, pegar no rosto de quem cuida dele. Logo mais, entre o sétimo e oitavo mês, o bebê dispara a “conversar”, convocando mais e mais o adulto através de seus gestos e brincadeiras.
O adulto pode responder a estas e outras gostosas provocações repetindo os sons emitidos pelo bebê e introduzindo novos, imitando o bebê e deixando-o imitar, traduzindo essa língua singular e contando o que faz com o corpo do bebê – inclusive nomeando as partes do corpo que são tocadas.
Nessa comunicação, o adulto pressupõe o que o bebê pode estar sentindo. Quando atento, ele aguarda e observa a resposta do bebê para que possa oferecer-lhe o que o pequeno precisa, tanto material quanto emocionalmente (a partir do segundo semestre de vida, o bebê estará cada vez mais hábil em colaborar nos momentos das trocas de fraldas – basta dar-lhe a chance).
Essa riqueza das trocas afetivas faz com que o trocador não seja apenas lugar para deixar o bebê limpo, mas um lugar para também brincar, interagir, se relacionar, fortalecer o vínculo e entender quais as necessidades e os desejos do bebê. O pequeno pode querer apenas ter suas fraldas trocadas para logo ir dormir, mas pode querer brincar, convidar o adulto para estar com ele, descobrir o que tem ao seu lado ou mesmo dentro da fralda – sim, os bebês geralmente descobrem seus genitais na troca das fraldas, o que deixa muitos adultos um tanto atordoados.
Com o corpo desnudo, o bebê se toca e descobre o prazer em se tocar. O menino, ao manusear o pênis, provoca a ereção. A menina, leva sua mão no local onde sente sua urina passar. Ela se toca podendo até mesmo introduzir o dedinho na vagina. Se essas situações tiram o adulto do eixo, corre-se o risco de as trocas de fralda se tornarem um momento de cuidados mecânicos e higienistas, risco que também existe quando não se compreende a importância das trocas afetivas em outras situações corriqueiras de cuidados com o bebê, como o banho ou a alimentação.
Para o bebê, não é justo interromper a investigação em seu próprio corpo; a investigação sempre será o motor da aprendizagem. Também, quanto mais o adulto valoriza a manipulação através de suas intervenções, mais excitado o bebê fica. Respeitar a exploração do bebê neste momento que é dele, é uma forma de dizer-lhe que a masturbação faz parte de seu universo íntimo. Mais tarde, quando ele crescer, entenderá que a masturbação só deverá acontecer em espaços privados e sem a participação de adultos.
As descobertas e as explorações do bebê no trocador não param por aí. Entre dez e doze meses, e no período que sucede, o bebê não para quieto e tenta a todo custo ficar em pé. Se ele quer ficar em pé, por que não deixar? Por que não trocar sua fralda da maneira que mais atende ao pedido de seu corpo?
Para garantir a liberdade de movimento dos bebês durante a troca das fraldas, Emmi Pikler, pediatra e fundadora do Instituto Lóczy (Hungria), desenvolveu um modelo de trocador que tem sido reproduzido em todo o mundo, como pode ser visto na imagem abaixo. As barras laterais, altas, permitem que o bebê fique em pé em segurança.
Na medida em que os sinais do bebê são compreendidos e suportados pelo adulto, estabelece-se um diálogo (mesmo com nenhuma ou poucas palavras por uma das partes) que contribui para a construção da tão necessária segurança emocional que todos os humanos precisam para viver. Esse jogo que acontece entre o bebê e seu cuidador vai esboçando o modelo relacional da dupla, tanto nas trocas de fraldas como em outras circunstâncias cotidianas da vida do bebê (e vice-versa). Não é por acaso que alguns bebês se comportam de modo muito diferente nas trocas de fraldas (e em infinitas outras situações) conforme a pessoa que exerce o cuidado. Por isso, cada minutinho no trocador precisa ser valorizado e aproveitado, afinal, as trocas que nele ocorrem vão muito além das fraldas!
Nota: Este texto, publicado pela primeira vez em 29/02/2016 no antigo blog Ninguém Cresce Sozinho, foi revisado e alterado minimamente em seu conteúdo original pela autora.
Imagens: Google.
Sobre a Patrícia L. Paione Grinfeld.
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