Presente é o oposto da ausência; é o tempo atual, o tempo do aqui e agora. Presente é o que se dá a alguém. Palavras homônimas cujos significados se entrelaçam ao brindar um momento especial.

Os presentes carregam afetos de quem presenteia e provoca outros em quem ganha. É uma forma de marcar presença. Seu valor não está no quanto se paga por ele, mas naquilo que ele representa para quem o dá e para quem o recebe. Daí os encontros e desencontros de valores. Daí seu significado em cada uma das pontas do par presenteador-presenteado: presente “narciso”, aquele que acha feio o que não é espelho (é a cara do presenteador, mas não diz nada do presenteado), presente de Grego (é indesejável, ruim), presente “missão cumprida” (cumpre a meta de presentear pela obrigação social), presente “tiro no alvo” (acerta em cheio o desejo do presenteado porque existe sintonia entre presenteador-presenteado), presente surpresa (inesperado!). Simplesmente presente, gesto de estar e ir junto.

Pensemos no presente e na criança.

É bastante comum observarmos crianças fazendo desenho para mãe, colagem para o pai, cartão para um amigo e mais tarde dizer: Fiz este presente para você. Presentes desta natureza carregam o mais genuíno significado de dar e marcam o afeto que se tem pelo outro. Uma maneira autêntica de se fazer presente na vida de alguém.

Mas as crianças crescem e essa pureza mágica se dissipa também pela forte influência do mundo do consumo, que pulveriza como pesticida tudo o que vê pela frente, apagando as singularidades, impondo valores que desrespeitam a autenticidade da infância.  Infelizmente, este tem sido o presente do tempo presente.

Pensemos no presente, sob o ponto de vista do presenteador.

Quem já observou uma criança que entra em uma festa de aniversário com um presente na mão e alguém, que muitas vezes ela não tem a menor ideia de quem é, lhe pede o embrulho (para que ele seja guardado) impedindo que o mesmo seja entregue ao aniversariante? Quem não observou, observe. A frustração da criança fica estampada no rosto, podendo até mesmo contaminar seu comportamento. Surgem reações de não querer entrar na festa, não querer cumprimentar o amigo ou outras desavenças que parecem comportamentos antissociais, mas que são, na verdade, expressões da sua decepção e descontentamento. Seu investimento em preparar, escolher, decidir ou apenas ser o portador do presente não é valorizado nesta postura banal e cotidiana que tem abolido o real significado do presente, a possibilidade concreta de troca de afeto, tão importante para as crianças pequenas.

Dar um presente é um gesto que diz o quanto a criança se sente especial na vida de alguém e o quanto este alguém é especial para a criança. Por isso, é importante que o presente seja entregue em mãos, pelo menos enquanto a criança precisa da concretude para se expressar.

Pensemos no presente, sob o ponto de vista do presenteado.

Uma cena bem conhecida de todos nós é a do aniversariante que antes mesmo de dizer oi ao seu convidado estica o braço para ganhar o presente. Será que seu real interesse é pelo objeto em si, ou sua ânsia está ligada ao que o outro tem para lhe dar? Se a criança não pode abrir e descobrir o que tem no pacote, seu presente passa a ser uma podada na exteriorização dos seus sentimentos, na vontade de receber, conhecer e, a partir daí, retribuir.

Ser lembrado é sempre bom.  A presença é um presente momentâneo, mas o presente (comprado ou feito com seus próprios recursos) é um registro para o futuro, uma maneira de desenhar na memória do presenteado a lembrança do presenteador (e vice-versa): o amigo, o pai, a mãe, a tia, o tio, a avó, o avô, a pessoa por quem há uma reciprocidade afetiva.

Quando o presente não pode ser dado e ou aberto no aqui e agora, ele vira passado. Ao abri-lo depois, perde-se a troca: o olhar, o sorriso, o abraço, o beijo, a espontaneidade. Por esta razão, não podemos deixar um gesto tão bonito, rico e afetivo ser devorado pelas leis do mundo adulto, talvez pela mais forte delas, a lei do consumo. Criança aprende trocando, inclusive presente.

Nota: Este texto, publicado pela primeira vez em 19/07/2012 no antigo blog Ninguém Cresce Sozinho, foi revisado e alterado minimamente em seu conteúdo original pela autora.

Imagem: Google.

Sobre a Patrícia L. Paione Grinfeld.