O enxoval do bebê é um capítulo grande na vida de quase todas as gestantes e famílias. Além de atender materialmente as necessidades do bebezinho que está por vir, ele envolve sonhos, desejos e expectativas que nutrem a importante função de imaginar o bebê que se espera, seu lugar na família e no mundo. Através de sua execução, o bebê se torna mais presente e real na vida dos que o aguardam, o que contribui tanto para o processo de subjetivação do bebê quanto para a construção dos novos papeis daqueles que estabelecem com ele algum laço afetivo, em especial sua mãe, seu pai e avós.
Se por um lado o ritual de preparação para a chegada do bebê propicia a vinculação, por outro, não podemos ignorar os atravessamentos familiares e socioculturais na relação com o novo serzinho. Do ponto de vista familiar, o enxoval é desenhado pelas histórias e tradições de cada família, seus anseios, receios, crenças e valores. Do ponto de vista sociocultural, ele reproduz um sistema atualmente marcado pelo excesso e pelo imediato, tanto em sua forma (hoje é possível encontrar em um só lugar tudo o que o bebê “precisa” para os vários momentos de sua vida), como em seu conteúdo. Basta observar as listas de enxoval para bebês para ver o quanto elas são entupidas de necessidades desnecessárias, que podem tornar-se desnecessidades necessárias conforme a demanda do bebê, da dupla mãe-bebê e da família.
A ideia de tudo vai ao encontro da fantasia de totalidade, de ausência de falta, presente em todos os humanos, mas potencialmente aguçada nas gestantes, que vivem, mesmo que em nível inconsciente, a fantasia da completude. Materializada no discurso de que “é preciso dar o melhor para o filho” ou de que “é melhor errar para mais do que para menos”, nossa cultura não dá chances para primeiramente saber quem é este bebê e o que ele, a dupla mãe-bebê e a família realmente precisam. O tempo da espera e da descoberta é abolido em detrimento do tempo do ter e da prontidão, que preenche a angústia de aguardar e decodificar.
Nesse equivocado conceito de que boa mãe ou pai são aqueles que não deixam faltar nada para o filho, acaba prevalecendo um modelo de relação onde há pouco espaço para as frustrações e o imprevisto – a primeira, necessária para qualquer crescimento e, o segundo, inerente à vida.
Não é tarefa fácil distinguir o imprescindível do necessário, o necessário do desejo, o desejo do excesso, o eu do outro, ainda mais quando se trata de um bebê e sua mãe (ou cuidador). Quem precisa o quê? Para quê?
Tomemos como exemplo a babá eletrônica. Item presente na maioria das listas de enxoval, ela vende a ideia de que a atenção ao bebê jamais será perdida, já que é possível ouvi-lo (e em alguns modelos, vê-lo) dentro de uma determinada distância. De fato, a atenção ao bebê é imprescindível. Mas será que é necessário um aparelho que amplifique o choro do bebê, especialmente em imóveis pequenos, que permitem que os sons sejam ouvidos de qualquer ambiente do lar? Qual é o desejo que está em jogo?
Aqui entra em questão a necessidade do bebê de ser atendido versus as parafernálias que vão ocupando precocemente e de maneira nada consciente o lugar da relação. Na medida em que um objeto desnecessário intermedeia a relação de cuidados para com o bebê, corre-se o risco de a mãe (ou cuidador) não aprimorar sua capacidade de observação diante das manifestações do bebê. Assim, o que deveria aproximar a dupla, acaba, no decorrer do caminho, prejudicando a tão importante sintonia mãe-filho.
Em algumas situações, o objeto desnecessário pode minimizar a angústia materna de, por exemplo, estar separada do filho. Porém, sem entender o que gera essa angústia, o objeto torna-se um paliativo e a situação certamente se repetirá diante de outras vivências de separação.
Do mesmo modo em que há objetos que atravancam as relações, há aqueles que aparentemente promovem o desenvolvimento do bebê. São exemplos clássicos as cadeirinhas com ou sem vibrador, com ou sem brinquedinhos pendurados, cujo apelo é acalmar e ou estimular os bebês (duas funções que por si só podem ser contraditórias, já que a estimulação excita e não tranquiliza). Para se desenvolver, o bebê precisa da presença humana e de um espaço que favoreça a livre exploração. Muitos se entretêm brincando com o próprio corpo. Por isso, mais uma vez a mesma pergunta: Quem precisa o quê? Para quê?
As listas de enxovais para bebês não levam em conta que cada bebê, dupla mãe-bebê ou família apresenta uma necessidade que lhe é única. Por mais que possam ser personalizadas (os baby planners e mommy’s concierges estão crescendo como mais um serviço para as futuras mamães – há de se pensar, inclusive, se esta não é uma antecipação dos cuidados terceirizados), elas priorizam o ter em detrimento do estar/ser, o tudo em lugar do suficiente, a garantia ao invés das incertezas e das descobertas, os objetos e não a relação.
Um bom enxoval deve ter o essencial para garantir o conforto e a segurança do bebê e de quem a ele dedica seus cuidados. Ele precisa, desde cedo, ter itens que favoreçam o bebê descobrir a si e ao mundo da maneira mais livre e espontânea possível. Acima de tudo, num contexto em que muitos produtos e serviços são tidos como essenciais, o enxoval do bebê precisa ser consciente e sustentável: consciente no sentido de buscar entender a necessidade de cada item contido nele, e; sustentável no que se refere à sustentação do vínculo, portanto, da conexão mãe-bebê, primordial para o desenvolvimento saudável do bebê.
Assim, por mais tentador que seja entrar numa loja de produtos para bebês, é preciso parar e pensar, pois não é apenas o bolso que está em questão, mas as relações que o entorno do bebê estabelece com ele e, mais tarde ele estabelece consigo e com o mundo.
Nota: Este texto, publicado em 31/03/2014 no antigo blog Ninguém Cresce Sozinho, foi revisado e alterado minimamente em seu conteúdo original pela autora.
Imagem: Google.
Sobre a Patrícia L. Paione Grinfeld.