Quem é quem entre os Irmãos Metralha?
Difícil responder. Os irmãos, criados em 1951 por Carl Barks, ilustrador dos estúdios Disney, são identificados por um número escrito em suas camisetas, sempre variando entre 1, 6 e 7 (176-671, 176-761, 176-176, etc.). Se os números das camisetas não aparecem, não temos como saber quem é quem.
Entre os gêmeos idênticos esta história por vezes se repete. Se não há um corte de cabelo, uma roupa ou algo que marque a diferença entre eles, a dúvida sobre a identidade de cada um paira no ar.
A questão das diferenças entre irmãos, contudo, não é exclusividade dos Metralha ou gêmeos idênticos. Muitos irmãos, especialmente quando a diferença de idade é pequena e/ou têm o mesmo sexo, são tratados como “iguais”.
A equidade a que me refiro não se restringe aos traços físicos. Ela está presente nos nomes (em sua composição ou pronúncia – não muito diferente do que acontece com os números 1, 6 e 7 que, num bater de olhos, parecem a “mesma coisa”), na expectativa que se tem em relação a cada um deles e nas possibilidades que lhe são ofertadas.
Quando pequenos é até bonitinho ver irmãos bem parecidos, juntos e companheiros. Mas será que tais semelhanças e companheirismo são autênticos ou são expressão da impossibilidade de cada um ser quem é?
O tratamento dos filhos como “iguais” é comumente sustentado pelo senso de justiça dos pais (de dar e fazer para um filho o que se dá e se faz para o outro, para fazer equivaler o amor parental) ou pelo temor dos próprios pais de que sua identificação por um filho em detrimento de outro possa transparecer (em função de afinidades ou experiências que eles mesmos tiveram com os próprios pais ou irmãos), associado às fantasias do que as diferenças podem significar – ruptura, divergências, conflitos e disputas (fantasias que fazem parte do humano!). Sem intrigas e controversas, se vive a ilusão da plenitude, do relacionamento “perfeito” entre irmãos; um verdadeiro lar doce lar.
Um filho vai à casa do amigo; o outro vai junto. Um filho escolhe fazer futebol; o outro entra “no embalo” por pressão, falta de opção, necessidade de ambos se ocuparem no mesmo horário, facilidade logística, entre outros. Um filho teve ótimo desempenho em aulas de artes; o outro é levado para a aula mesmo sem demonstrar interesse. Um filho cresceu e “perdeu” todos os sapatos; na compra de sapatos novos, o irmão que não precisava também ganha algum. Um filho responde (em oposição) para o pai, é preterido, e o outro filho “entra”, naquela situação, em seu lugar.
Os exemplos são muitos. Deixemo-los de lado, assim como a praticidade que atravessa estas situações (nada desprezível, ainda mais na correria cotidiana), o senso de justiça, as identificações e a fantasia da plenitude, para pensar o quanto é empobrecedor e sofrido viver como “extensão” ou sombra de um irmão.
Viver como “extensão” ou sombra de um irmão não coloca em questão a imitação, referência ou modelo que um irmão pode ser para outro, nem situações esporádicas onde um se destaca mais ou fica momentaneamente um pouco menos em evidência, mas nos coloca frente a dinâmicas fraternas em que a vida de um irmão parece espelho da vida do outro.
Irmãos podem ter semelhanças, ser companheiros, com mais ou menos brigas, sem que isto traga prejuízo a nenhum deles. No entanto, quando estas dinâmicas se instalam é bastante comum – mais cedo ou mais tarde – ao menos um dos irmãos dar pistas de que “ser igual” não é legal. Na tentativa de reivindicar seu lugar, ele começa a ser “do contra”, apresentar baixo desempenho escolar e/ou condutas antissociais, não querer estar em algum grupo social, entre outros. O que aos olhos de quem assiste tais mudanças de comportamento pode parecer fracasso, retrocesso, falta de educação, etc., para a criança, contudo, pode ser sua forma de dizer: preciso ser eu mesma!
Por isso, independentemente das semelhanças, das conveniências, do desejo de justiça, das identificações e da “harmonia” fraterna, é preciso criar espaço para que as diferenças possam se manifestar. Irmãos podem fazer muitas coisas juntos, mas precisam que algumas sejam feitas individualmente. Irmãos podem gostar das mesmas coisas, mas é preciso estar atento às sutilezas das preferências de cada um. Irmãos podem ter necessidades iguais ou em comum, mas têm necessidades específicas. Irmãos precisam ser tratados com a justiça da diferença, o que só é possível se aceitarmos que a plenitude não passa de uma ilusão, real apenas em alguns momentos.
Nota: Este texto, publicado em 18/09/2013 no antigo blog Ninguém Cresce Sozinho, foi revisado e alterado minimamente em seu conteúdo original pela autora.
Imagem: Google.
Sobre a Patrícia L. Paione Grinfeld.