Estava indo tudo bem, crianças brincando juntas, até que uma delas começa a encrencar com a outra. A brincadeira transforma-se em gritos, xingamentos, empurrões, puxões de cabelo, tapas, mordidas e arranhões.
Mãe, o fulaninho me bateu!
Pai, a fulaninha pegou meu brinquedo e não quer devolver!
Pára, você é muito chato!
Sai daqui!
Te odeio!
O que acontece e o que as crianças querem dizer quando brigam? Em meio a um turbilhão de emoções incompreendidas pela criança, o que fazer? Deixar brigar? Interceder?
Aproximadamente até os 6 anos de idade, a criança ainda está aprendendo a controlar seus impulsos; é imatura psíquica e neurologicamente. É egocêntrica e não consegue se colocar, abstratamente, no lugar do outro. Possessiva e enciumada diz constantemente: É meu! Me dá? Não dou! Não empresto! Apesar de já ter um vasto vocabulário, sua capacidade de comunicação e de resolução de conflitos ainda é restrita, principalmente quando as emoções e pensamentos ambivalentes tomam conta de si.
Quando duas ou mais crianças de idades próximas estão juntas e não conseguem se entender, as brigas acontecem mesmo. Sem colocar em palavras aquilo que sentem e querem, as crianças, intensas em suas ações, podem acabar impondo, fisicamente, um limite rígido diante de situações em que se sentem ameaçadas, invadidas e contrariadas. Ao se sentirem atacadas, mesmo que esta não seja a intenção do outro, contra-atacam. Sem falar nas variações de humor (reflexo de cansaço, sono e fome, por exemplo) que geram brigas “bobas” e momentâneas.
As crianças estão conhecendo seus sentimentos, suas emoções e reações, bem como aprendendo a se relacionar e a conviver socialmente. Com as discórdias, elas dizem o que não gostam, o que as incomoda e o que querem ou não. Testam limites a todo instante – os seus e dos outros – buscando entender até onde podem ir. Brigar é uma forma de colocar seu desejo, opinião, ponto de vista. Por isso, não dá para dizer que os brigões são sempre os vilões; muitas vezes, são os que têm mais claro o que querem.
A maioria das brigas entre crianças de idade semelhante ocorrem pela disputa de poder. Já que com os pais é mais difícil competir em função da autoridade que exercem, dão ordens e ditam regras ao irmão, aos primos ou colegas. Rivalizam como forma de autoafirmação: estão construindo sua subjetividade; querem saber o quanto sua palavra e vontade valem – algo que, em grande maioria, se estende até a adolescência e, para alguns, a vida toda.
As desavenças ocorrem, também, porque as crianças estão aprendendo a dividir: a atenção das pessoas queridas – pais, amigos, avós, professora –, os brinquedos, o espaço em comum. Quando se desentendem, cada qual a sua maneira, estão pedindo respeito e, gradativamente, vão aprendendo a respeitar o próximo e a resolver conflitos. São nestes momentos de desacordos, que as crianças aprendem (se alguém as ensina) sobre as diferenças entre as pessoas. Aprendem que o outro pensa, sente e tem desejos e vontades que podem não condizer com as suas.
Ensinar as crianças a resolverem as divergências de forma civilizada não é tarefa nada fácil. Adultos intervêm e repetem milhares de vezes: Não faça isso com seu irmão. Não precisa brigar, converse com sua amiguinha. Empresta seu brinquedo. Vão brincar juntos. Você não está usando, deixe seu primo brincar. O que você fez? Peça desculpas. Agora é a vez do seu irmão, depois mamãe te pega no colo. Para pais, um exercício de paciência; para crianças, um treino constante.
De alguma forma, para o aprendizado da criança, a intervenção, direta ou indireta (após o episódio ou quando não se presencia a cena), se faz necessária. Precisamos lembrar que as crianças até aproximadamente 7-8 anos de idade, pela sua imaturidade, falam bastante com o corpo e, neste sentido, as brigas físicas, e mesmo as brincadeiras de mão, são uma forma de expressão e comunicação. Além disso, muitas vezes utilizam o corpo para testar sua força/poder e, por não terem noção dela, não se dão conta de que o outro pode se machucar e sentir dor – algo que precisa ser ensinado desde que as primeiras brigas começam a acontecer.
Em algumas situações, nas quais a criança vive apanhando das outras, às vezes é preciso deixá-la brigar para ela aprender a se defender e a colocar limite para si e para o outro. Porém, em casos onde há agressões mais fortes, é importante separar as crianças fisicamente, deixando passar o estresse emocional para, quando mais calmas, sem tantas reações impulsivas e exacerbadas, conversar com as crianças juntas.
Ao falarmos em intervenção, devemos entender que intermediar não é tomar partido de uma das crianças ou brigar com quem brigou. Intermediar uma briga é ouvir e tentar estabelecer um diálogo (olho no olho, falando baixo e com respeito) que imponha limites e rompa com as situações de rixas e disputas, até que a criança, quando mais velha possa fazer isso por si só, sem ter que partir para o ataque físico.
Diante das brigas entre crianças, o adulto deve se manter imparcial o máximo possível (quando não se fere regras sociais, de convívio e de segurança física), principalmente onde as desavenças são causadas por questões subjetivas, sem que haja certo e errado, vítima ou culpado. A intervenção vem para mostrar às crianças que serão ouvidas em suas necessidades e razões, sem que necessitem se alterar. Nestes casos, o que vemos frequentemente, é que, passado o atrito, as crianças logo voltam a se entender e continuam brincando e se gostando, querendo estar juntas, pois, como ouvimos por aí, amor e ódio caminham juntos, e relacionamentos apresentam conflitos e desacordos.
Pais não são juízes que defendem ou acusam as partes. Eles devem avaliar a situação de forma que ambos os lados possam assumir sua responsabilidade pelo ocorrido e, se necessário, fazer um pedido de desculpas (sem humilhações, mas permitindo a criança tomar consciência de suas atitudes).
Diante disso, vale ressaltar que, a infância é alicerce para a vida adulta; os aprendizados adquiridos nesta época moldam as pessoas e as ensinam a se relacionar socialmente, fazendo valer a si e ao outro, sem que precisem sair na pancadaria, gritar e desrespeitar o próximo. Isto, devemos aprender desde muito cedo.
Imagem: Google.
Nota: Este texto, publicado pela primeira vez em 05/02/2013 no antigo blog Ninguém Cresce Sozinho, foi revisado e alterado minimamente em seu conteúdo original pela autora, Veronica Esteves de Carvalho.
Para mais reflexões sobre brigas infantis, percorra a trilha Limites: sua importância no desenvolvimento infantil.