As histórias sobre o desfralde das crianças variam muito, inclusive dentro de uma mesma família e contexto cultural. O que costuma transcorrer com tranquilidade para algumas, pode ser extremamente desgastante para outras, podendo, por vezes, se transformar em algo que parece não ter fim.

Considera-se que uma criança está desfraldada quando ela é capaz de fazer o uso do penico ou vaso sanitário de maneira independente, sem que precise ser lembrada da necessidade de urinar ou evacuar, e sem que precise de auxílio para se manter seca e limpa.

Quando esse objetivo final não é atingido ou quando algum retrocesso ocorre depois de um percurso bem-sucedido, precisamos lançar luz em pelo menos três questões: Será que a criança realmente reúne o conjunto de competências necessárias para que as fraldas possam ser deixadas de lado? A criança ou seu ambiente passou por alguma experiência nova ou de mudança, mesmo que pareça ser insignificante? Qual a posição ocupada pelo adulto diante do desfralde e da autonomia da criança?

Ninguém deixa as fraldas sozinho, nem num estalar de dedos. O desfralde, para além das competências neurofisiológicas necessárias, é um processo que envolve importantes aspectos relacionais entre a criança e seu ambiente, aos quais é preciso estar atento desde as primeiras trocas de fraldas do bebê.

Diversos estudos mostram que episódios de enurese, retenção das fezes e sujidade (pequenos escapes) se relacionam à precocidade do início do treino esfincteriano. Mesmo que este ainda seja um dos fatores que resultam em insucesso no processo de retirada das fraldas, outros fatores parecem estar correlacionados às turbulências enfrentadas no desfralde nos dias atuais, entre os quais podemos destacar:

Conotação negativa dada às fezes, as quais são tratadas em nossa cultura como algo sem valor, sujo, feio, vergonhoso. Isso é transmitido para a criança, que pode acabar por não querer que seus excrementos sejam mostrados para o adulto quando este a convoca para usar o penico ou o vaso sanitário.

Sociedade competitiva, o que invariavelmente gera comparações que negam as individualidades – todos precisam fazer o que todos fazem, já que não fazer é sinônimo de “ficar para trás”. Como consequência, a pressão vinda do meio familiar ou social se amplifica, podendo atropelar o ritmo da criança.

Sociedade coercitiva, na qual se pune pelo que não é feito. O reverso dessa moeda é ser recompensado pelo que se faz corretamente. O método da recompensa (ou mesmo os elogios em demasia) muitas vezes cria resistência porque soa para a criança como cobrança, pressão, não a auxiliando a ser protagonista da situação.

Tempo do “desejo, logo tenho”, que abole o tempo da espera, traduzido no desfralde por muitos adultos como paciência. A paciência vai contra nosso tempo do imediato, do controle, do sem espera e sem processo.

Maior restrição para brincar livremente, o que limita as possibilidades de exploração, descoberta e consciência do próprio corpo.

Diante desse cenário, pode-se dizer que o grande desafio no processo de desfralde – como o é para todo o processo de desenvolvimento – é o reconhecimento das pequenas conquistas da criança e a promoção de sua autonomia, o que em determinadas situações vão na contramão do que é culturalmente estabelecido e esperado.

Embora a ideia de desfralde esteja associada a algo que se tira, termina ou acaba, ela precisa ser vivida pela criança e adultos como uma experiência de crescimento e, portanto, de ganho. Quando as convocações da criança são respondidas e sua autonomia favorecida, o desfralde costuma ocorrer sem grandes percalços.

Imagem: Google.

Sobre a Patrícia L. Paione Grinfeld.

Para saber mais sobre desfralde, participe da roda Desfralde sem atropelos ou agende uma consulta de orientação a pais.