Não temos como fazer de conta que a sexualidade não existe nas crianças; ela está no corpo, na fala, nas brincadeiras. Mas quando observamos e reconhecemos sua expressão, muitas vezes somos tomados por sentimentos e ideias confusas e contraditórias. A angústia nos toma e as reações podem ser as mais diferentes possíveis, desde ficar paralisado por não saber como agir, até “perder a cabeça”, adotando medidas repressoras em relação à manifestação da criança.

Como a sexualidade do adulto é sempre colocada em cena nas suas reações e intervenções diante da expressão sexual da criança (pelo atravessamento de sua história pessoal e pela cultura), muitas vezes fica difícil saber o que é de quem. Não é incomum, por exemplo, o adulto dizer que a criança ficou perturbada ao contar sobre uma brincadeira sexual com um colega, quando quem se perturbou com o fato foi o adulto. Ou, a criança se sentir culpada por um comportamento sexual pela desaprovação do adulto, e não pelo comportamento em si.

Embora discriminar o que é do adulto e o que é da criança seja fundamental nestas situações, esta não é uma tarefa fácil e simples. Além das manifestações sexuais infantis que temos conhecimento através de comportamentos, falas e brincadeiras da criança, há expressões da sexualidade que se dão em nível de fantasia, sendo inacessíveis a quem está ao redor dela. Da mesma forma, o terreno da sexualidade adulta abriga conteúdos esquecidos e desconhecidos, portanto também difíceis de serem acessados.

Isso, contudo, não impede ao adulto refletir se suas intervenções acontecem para satisfazer as necessidades dele (por exemplo, não se angustiar) ou para atender àquilo que a criança precisa para o desenvolvimento saudável de sua sexualidade: de pessoas em quem possam confiar, de informações verdadeiras e de um meio que as permita descobrir a si mesmas em seu corpo.

Entre o que é do adulto e o que é da criança, precisamos desvincular a ideia de sexualidade à genitalidade. Sexualidade é nossa energia vital, expressão da afetividade, do prazer, daquilo que nos move para a vida.

Diferentemente da ideia que se tinha de que as crianças eram seres angelicais, assexuados, sabemos, a partir dos “Três ensaios sobre a sexualidade” de Freud (1905), que a sexualidade está presente desde o começo da vida através das primeiras experiências afetivas do bebê com o outro nas relações de cuidado. Ao ser carinhosamente cuidado, o bebê tem a sensação de estar vivo, experimentando, assim, o prazer. Aos poucos, ele mesmo vai buscando repetir a experiência prazerosa de, por exemplo, sugar, ao sugar o dedo, o punho, o pezinho, em lugar do seio ou mamadeira, descobrindo em seu corpo formas de obter prazer por ele mesmo.

Nesta primeira fase do desenvolvimento da sexualidade o prazer é prioritariamente oral. Aos poucos a criança vai encontrando prazer através de outras partes de seu corpo, carregando esta experiência ao longo de toda a vida. É (ou deveria ser) apenas a partir da adolescência que o humano passa a querer ter prazer com o corpo do outro, já que antes deste período ele não tem maturidade física e psíquica para dar conta desta experiência. O desejo erótico pelo outro é o que configura a sexualidade adulta, a genitalidade, diferenciando-a da sexualidade infantil, cujo prazer é voltado para o próprio corpo (auto-erótico).

Quando se trata da sexualidade dos filhos, outro aspecto que merece atenção em relação ao tênue limite entre o que é do adulto e o que é da criança se refere à posição de autonomia que a sexualidade sadia confere ao sujeito. Ainda bebê, este pode dispensar seu cuidador nos momentos em que sozinho, ele pode se satisfazer brincando com partes de seu próprio corpo.

Perceber que o filho está crescendo e precisando menos dos pais pode ser mais aterrorizador do que a própria manifestação sexual da criança. Porém, nestes casos, o temor de que os filhos se tornem mais independentes fica encoberto, tornando aparente somente a inquietação em relação ao que a criança expressa através de suas perguntas – construídas porque ela tem pensamento próprio – e seu corpo.

Lembrar que tem aspectos da sexualidade da criança que escapam ao adulto – umas por fazerem parte do mundo interno da criança, outras porque as crianças não precisam que o adulto atenda a todas as suas demandas – é crucial para permitir à criança descobrir e se apropriar de seu próprio corpo.

Imagem: Google.

Sobre a Patrícia L. Paione Grinfeld.

Para mais reflexões sobre este tema, participe da roda de conversas sexualidade na infância: do esperado a possíveis riscos, ou agende uma consulta de orientação a pais.