Embora as livrarias e bibliotecas disponham de livros sobre a sexualidade humana escritos especialmente para crianças, raramente encontramos um que seja suficientemente bom em seu conteúdo. Falta desde ilustrações dos genitais masculino e feminino, que tanto interessa os pequenos ávidos por entender as diferenças entre os sexos, até a apresentação das diversas possibilidades de encontros sexuais e concepção; muitos ainda carregam o exclusivo discurso de que um bebê é sempre fruto da cópula amorosa entre papai e mamãe.
Mesmo que alguns livros infantis sejam um pouco mais consistentes e coerentes, sempre ficamos com a impressão de que são insuficientes. E de fato são! O terreno da sexualidade humana é vasto e complexo. A simples pergunta “De onde eu vim” não remete apenas à biologia, mas a toda história consciente e inconsciente envolvida antes e durante a concepção, gestação, nascimento e vida extrauterina. O conteúdo anatomofisiológico é de extrema importância, mas não é tudo.
Muitas vezes, as indagações das crianças não se referem a dados objetivos. No campo da sexualidade, o mundo da fantasia pode falar mais alto do que o mundo real. Por consequência, mesmo diante de respostas corretas e claras, as crianças nem sempre se satisfazem com o que é respondido. Elas querem saber mais. Não necessariamente mais informação biológica, mas mais sobre o misterioso mundo dos desejos. Além disso, algumas questões, como o que é uma relação sexual ou como se dá a junção dos gametas, só serão realmente entendidas a partir da adolescência, com a vivência de um corpo maduro.
Ainda que determinadas respostas não sejam compreendidas pela criança, é fundamental que se abra espaço para que ela possa falar sobre a sexualidade humana sem reprovação ou repreensão – ela apenas quer entender a origem e alguns aspectos da vida.
Gosto muito de dois livros que encaram o tema no meio de outros conteúdos, fazendo lembrar, mesmo que sem esta intenção, que a sexualidade é um assunto entre tantos outros, e não o assunto.
A ideia de que os “pais ficam preocupados em dar de cara, sem nenhum aviso com algum pipi” num livro é lembrada de um jeito muito divertido por Alain Serres em Como ensinar seus pais a gostarem de ler livros para crianças (ilustração de Bruno Heitz, Pulo do Gato): “…conte que, pelo que dizem por aí, os pipis existem de verdade!”. As crianças sabem disso. Será que os adultos não?
Em Não, sim, talvez (Sesi-SP Editora), Raquel Matsushita apresenta uma série de perguntas, ilustradas por Ionit Zilmerman, não tão simples de serem respondidas, mas que estão na boca da criançada; portanto, não podem ser ignoradas. “Por que o pipi parece uma tromba de elefante?”, é uma delas. E como em muitas famílias, a resposta ao menino é “Porque… Porque… Não sei. Pergunta pro seu pai”.
Uma coisa sabemos – as crianças encaram o tema numa boa. Quem põe barreira, fica constrangido ou muda de assunto são os adultos.
Sobre a Patrícia L. Paione Grinfeld.
Para mais reflexões sobre este tema, participe da roda de conversas sexualidade na infância: do esperado a possíveis riscos, ou agende uma consulta de orientação a pais.