Recentemente ouvi de uma mãe que a escola onde seu filho estuda chamou-a porque o menino vinha praticando bullying contra um colega. Na sua fala existia um gozo pela valentia, coragem e liderança do filho, num tom que parecia ser bacana o que o menino fazia.
Até esta situação ocorrer, esta mãe, que para defender suas crenças se valia de argumentos que convencem o mundo de que ela está certa e quem está do lado oposto ao dela, errado, não havia percebido que no seu radicalismo entre o correto e o incorreto, o necessário e o supérfluo, o útil e o inútil, seu filho estava aprendendo que a vida é feita de extremos. Entre, aqui, não significava meio termo, mas a impossibilidade de diálogo entre os opostos.
Divergências existem, são esperadas, saudáveis e construtivas. No entanto, se o mundo é mostrado rigidamente apenas em uma das pontas – bonito ou feio, forte ou fraco, saudável ou doente, magro ou gordo, rico ou pobre, esperto ou tolo, entre outros – sem trânsito entre os extremos, elas se chocam, entram em atrito, sem a possibilidade de dialogar.
O bullying – de bully, do inglês, mandão, tirânico – caracteriza-se por atos de violência física ou psicológica, intencionais e repetidos, por um ou mais indivíduo contra também um ou mais indivíduo. Apesar desta terminologia ser relativamente recente, as situações de violência pela intolerância às diferenças individuais e grupais sempre existiram. Freud, em sua obra O mal-estar na civilização (1930), denominou de narcisismo das pequenas diferenças a segregação hostil daquilo que não é possível suportar, olhar, reconhecer. Uma forma, segundo ele, de preservar a coesão dos grupos, mas também, podemos acrescentar, de preservar a rigidez de cada um de nós.
Nas situações de violência, agressor e agredido são, aparentemente, antagônicos – o mal e o coitado. Porém, em ambos os lados reside uma postura engessada decorrente da dificuldade no trato com as diferenças: uma sob a forma de ataque e a outra de paralisia. É por isto que tanto quem pratica quanto quem sofre o bullying são vítimas; vítimas de uma cultura que sustenta e valoriza a massificação, a falta de singularidade. Assim, “esquece-se” que mesmo que se tenham os mesmos pais, vistam a mesma roupa, tenham o mesmo carro, estudem na mesma escola, as pessoas são diferentes e as diferenças não podem ser tidas como defeito, inferioridade, nem como vantagem ou maior valia.
Um cego tem uma percepção tátil e auditiva que aqueles que têm o privilégio da visão nem sempre conseguem ter. Uma criança com Síndrome de Down em geral desenvolve uma afetuosidade que muitos não conseguem desenvolver. São inferiores? O cara cheio da grana, que pode comprar tudo, nem sempre é o mais feliz ou bem-sucedido em todas as áreas da vida. O que vence em todas as corridas, pode, por exemplo, fracassar nas relações amorosas. São superiores? Não, são todos diferentes uns dos outros, cada qual com suas características e potencialidades.
Todavia, enquanto vivermos avessos à pluralidade das coisas, valores, princípios, emoções, ideias, jeitos de ser, prevalecendo os pré-conceitos e o que eu quero e penso, não existirá o outro enquanto alteridade, sujeito desejante e pensante. Ou seja, não haverá saída para as situações conhecidas atualmente como bullying.
O “narigudo”, por exemplo, carrega uma herança biológica, mas também cultural. O “gordinho” pode assim ser porque mergulha nos prazeres gastronômicos. O menino mais sensível tem uma habilidade que pode ser um grande diferencial em relação aos “machões de carteirinha”. Então, por que não nos aventurarmos a conhecer este “outro” lado de cada um?
Desde muito cedo devemos educar a criança para as diferenças e, consequentemente, para o respeito a si e ao outro. Já é mais do que hora de encorajarmos as crianças (e a nós mesmos) a conviver com as diferenças. As crianças aprendem a partir do que observam e dos sentidos que são atribuídos às experiências vividas. Quem só anda de carro porque transporte público é para “os outros”, se coloca numa posição de superioridade. Quem não pode brincar com um amigo que é mal-educado, perde a chance de descobrir as demais qualidades daquela criança. Quem escuta sempre que é a criança mais linda do mundo, não conseguirá achar outra tão ou mais bonita do que ela.
Em qualquer desses gestos ou palavras, mesmo que despercebidos ou não intencionais, as crianças vão aprendendo que as diferenças não encontram espaço de expressão. Seu único caminho acaba sendo negá-las, pelo ataque ou pelo silêncio. É a sementinha para o bullying acontecer, seja como agressor ou agredido.
Nota: Este texto, publicado pela primeira vez em 27/11/2012 no antigo blog Ninguém Cresce Sozinho, foi revisado e alterado minimamente em seu conteúdo original pela autora.
Imagem: Google.
Sobre a Patrícia L. Paione Grinfeld.