Como psicoterapeuta, percebo que é cada vez maior o número de pais que solicitam atendimento psicológico a seus filhos, inclusive para os muito pequenos (entre 2-3 anos de idade). Tais solicitações, invariavelmente, me fazem questionar e avaliar a real necessidade e demanda daquele que me procura. Será que estas crianças realmente precisam de psicoterapia? O que leva esses pais a me procurarem?
Observo que a busca pela psicoterapia infantil, originada por conta própria, por encaminhamento de outros profissionais ou por pessoas próximas, quase sempre é um pedido de ajuda para a criança. Solicitações iniciais e diretas para orientação a pais ou à família são raras, uma vez que prevalece a ideia de que quando a criança apresenta um sintoma ou sofre é ela quem deve ser cuidada. Aqui, enfaticamente, digo: nem sempre! E ainda, são raras as situações em que apenas a criança é quem precisa ser cuidada. As manifestações apresentadas pelas crianças podem estar encobrindo outras que precisam ser reveladas e também podem estar gerando sofrimento nos demais familiares.
Muito dos sintomas manifestos pela criança relaciona-se a questões de ordem social e ou familiar. Situações de desavenças, segredos, atritos, discussões, competições, rejeições, entre outras, vividas direta ou indiretamente em seu ambiente, acarretam na criança sentimentos e comportamentos julgados como inadequados. Nestes casos, a criança está como porta-voz de um sintoma mais amplo, e não como aquela que origina a situação. Somente uma avaliação minuciosa da história individual e familiar da criança permite avaliar a origem do sintoma e, assim, saber como seguir com o trabalho terapêutico, quem envolver nesse trabalho e de que forma.
Minha experiência mostra que há ocasiões em que a orientação e o suporte oferecido aos pais (quando necessário à escola e a outros adultos responsáveis pela educação da criança), fazem com que não haja necessidade da criança iniciar uma terapia. Juntos, conseguimos oferecer a ela apoio suficiente para que entenda, elabore e supere suas dificuldades.
Então, fica a pergunta: quando a psicoterapia infantil é realmente necessária?
Toda criança tem preocupações e desconfortos que se mostram através de irritabilidade, tristeza, choro, brigas, birras, agressão, isolamento, dentre outros. Um tanto disso faz parte da natureza humana e se resolve com a intervenção de uma pessoa próxima capaz de nomear e ajudar a criança a entender e a lidar com o que ela vivencia.
Quando é difícil para o adulto fazer esta ponte, a orientação a pais pode ser uma alternativa. No entanto, se o sofrimento da criança é demasiadamente grande, apenas a intervenção de seus cuidadores pode não ser suficiente para ela compreender o que está vivenciando. Isso é bastante comum nos casos em que as crianças estão fortemente impactadas por fatores diretamente ligados a ela, como separações, perdas, mudanças, doenças, etc. Nessas situações, a psicoterapia infantil é recomendada para que o terapeuta, junto com a criança e a família, possa ir encontrando o sentido de tal sofrimento.
Além disso, crianças vão à terapia quando apresentam dificuldades recorrentes relacionadas a seu desenvolvimento global (principalmente afetivo-cognitivo) que podem interferir na formação de sua personalidade e em sua dinâmica intra e interpessoal. Por exemplo, crianças muito introspectivas e inseguras, que têm dificuldade em sair do lado dos pais, ou crianças que apresentam medos difusos e intensos, que atrapalham seu crescimento, a formação da autoestima e prejudica seus relacionamentos sociais – ficam distantes, não brincam e não exploram os ambientes e pessoas.
O psicoterapeuta é um profissional capacitado a ajudar a criança e os pais ou responsáveis pela criança a (re)conhecer suas dificuldades, conflitos, sentimentos, direcionando-os a contento. Assim, desfaço aqui a ideia de que terapia “conserta” o que não está dando certo com passes de mágica. O trabalho, para que tenha sucesso, é feito em parceria. Aliás, a horizontalidade com a família é fundamental para a construção de um trabalho conjunto e efetivo.
Deve-se enfatizar que a infância e, sobretudo a primeira infância, é um momento plástico do desenvolvimento, e, portanto, havendo um problema é importante que a intervenção aconteça o mais cedo possível.
Nota: Este texto, publicado pela primeira vez em 10/02/2014 no antigo blog Ninguém Cresce Sozinho, foi revisado e alterado minimamente em seu conteúdo original pela autora, Veronica Esteves de Carvalho.
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