Quando convidada a escrever sobre a primeira infância desde a perspectiva da escola por uma colega da Ninguém Cresce Sozinho, logo me lembrei do ditado africano que diz que é necessária uma aldeia inteira para criar uma criança. Afinal, ninguém cresce sozinho!

Especialmente nos centros urbanos, a escola de educação infantil faz o papel de aldeia, não só para as crianças, que encontram pares para brincar e aprender, mas também para os pais, que precisam de apoio e suporte para criar os filhos. É um equívoco pensar que isso se deve a pais muito ocupados ou “mal preparados”, mas o fato é que educar uma criança é tarefa complexa, que exige de nós, humanos, muita disponibilidade e dedicação.

Os bebês humanos nascem completamente dependentes dos adultos e precisam de um tempo considerável até atingir certo grau de autonomia para cuidar de si e se responsabilizar pelos próprios atos. Desde a tenra idade até o final da adolescência, a escola é um espaço privilegiado de interação social e de aprendizagem, tanto para as crianças como para adolescentes e suas famílias.

Ao matricular o filho ou a filha na escola, muitas mães e pais criam uma série de expectativas sobre o que a escola vai oferecer para que a criança aprenda línguas, esportes, informática, tenha acesso ao máximo de conteúdos, desenvolva habilidades para lidar com as adversidades do mercado de trabalho, enfim que tenham uma boa formação geral para o futuro.

Não há qualquer problema com todas essas expectativas, afinal, os pais e mães querem o melhor para os seus filhos. O que me parece equivocado é a crença de que, para conseguir uma boa formação, é preciso privilegiar a exacerbação de conteúdos acadêmicos precocemente, deixando para trás o que realmente importa na constituição subjetiva das crianças nos primeiros anos de vida. Mais ainda, embora se pense no futuro, no que vão ser quando crescer, as crianças precisam ter boas experiências de interação com o outro e com a riqueza produzida em nossa cultura no momento presente!

A escola é um espaço coletivo, cuja especificidade é a aprendizagem em grupo. Porém só quando a singularidade de cada sujeito pode aparecer em seu jeito de brincar, no modo como consegue expressar suas opiniões, ideias, vontades, é que a potência do coletivo emerge. Ou seja, o grupo ganha vitalidade, criatividade e riqueza quando se somam as contribuições individuais, o que é o contrário de esperar homogeneidade em todos os alunos, como se todos tivessem que aprender no mesmo tempo e do mesmo jeito.

Considerando a educação infantil, de 0 a 5 anos, a melhor contribuição que uma escola pode oferecer para as crianças, além do cuidado e atenção que os pequenos tanto precisam, é um ambiente rico simbolicamente. Essa riqueza está em atividades significativas para as crianças, que lhes permitam brincar com o patrimônio cultural que temos à nossa disposição: faz-de-conta, brincadeiras tradicionais, contos de fadas, histórias contemporâneas, poesia, música, artes, jogos.

Brincar significa ter espaço e tempo para inventar, criar, sentir, entregar-se às atividades com deleite, com prazer e também, porque não, com esforço – aquele esforço que se faz quando se quer conhecer bem alguma coisa.

Para exemplificar, um grupo de crianças de 4 a 5 anos decide junto com sua professora que vai montar uma casinha de pau a pique no pátio, tal como descrita num conto popular chamado O veado e a onça (reconto de Ana Maria Machado e ilustrações de Suppa, Editora FTD) e essa brincadeira gera uma série de aprendizados. Além da diversão de participar da construção de uma casinha, é necessário acessar os mais variados recursos materiais e simbólicos para resolver os problemas que surgem diante do desafio. Os professores têm o papel de encorajar a ideia, de trazer alguns dados de realidade para que a empreitada seja produtiva. Então surgem muitas questões a serem resolvidas com conhecimentos objetivos, mas também levando em conta a opinião e posição de cada criança do grupo: onde será a casa? Tem material disponível? Tem alguma mãe ou pai que sabe construir casas? Um arquiteto ou engenheiro? Vamos convidá-lo a participar? Vamos desenhar a planta da casa? Especificar suas medidas? Será que conseguimos ajuda do Francisco, nosso porteiro, para cortar o bambu e fincá-lo na terra? E o que vamos fazer quando ela estiver pronta?

Para que todo esse processo faça sentido, não adianta o professor ler a história uma vez e já passar para a próxima: é importante que as crianças possam repetir suas experiências, conversar sobre personagens, estabelecer relações entre a história e o que acontece na vida, criar brincadeiras de forma que se apropriem de toda experiência com a imaginação e com o que viveram no próprio corpo (por exemplo, verificar a altura do bambu em relação à própria altura, pisar o barro, brincar dentro da casa depois de construída).

A professora ou professor, neste sentido, tem o papel de fazer a mediação dos conteúdos escolares, dando seu testemunho sobre o valor do conhecimento, não como algo distante, mas como algo que tem sentido para si próprio e para o mundo, porque pode ser acionado quando estamos diante de um problema, que pode ser construir uma casa ou negociar um brinquedo, desenhar uma personagem ou fazer uma lista de quem será convidado para a inauguração da casa.

Esse tipo de experiência, que requer envolvimento, dedicação e repetição, tão necessária na escola, é o oposto do que se dá numa atitude consumista, que pode estar presente também dentro da escola, quando se privilegia um excesso de conteúdos em detrimento de uma aprendizagem significativa para a criança.  A escola de educação infantil deve ser, portanto, lugar de ritual, de construção de hábitos e conhecimentos, de criação de vínculos. As crianças se relacionam diariamente com os mesmos colegas, com quem podem criar intimidade, que inclui o prazer de conhecer e estar com o outro e também o desafio de lidar com os conflitos que tal proximidade provoca.

É da possibilidade de estabelecer relações verdadeiras, nas quais a criança conhece a si mesma, seus colegas e professores, e também se encoraja a conhecer o mundo, que o presente e o futuro se encontram, porque não deve haver pressa de aprender e sim a perspectiva de despertar o desejo de saber.

Nota da autora:  Ninguém nasce consumista! As crianças nascem num mundo consumista e na interação com ele são levadas a acreditar na lógica do quanto mais melhor.  Passa-se logo à próxima fase do jogo eletrônico, compra-se uma quantidade de livros e brinquedos que a criança nem consegue conhecer, gerando quase sempre uma relação superficial com os eles.

Imagem: arquivo da Escola Jacarandá.

Texto escrito por Vitória Regis Gabay de Sá.

A Vitória é pedagoga (PUC-SP) e psicopedagoga (Instituto Sedes Sapientiae). Tem formação em Psicanálise com crianças pelo Núcleo de Estudos Pesquisa e Psicanálise com Crianças e está em formação no curso de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae . É coordenadora pedagógica da Escola Jacarandá (São Paulo-SP) desde 1994.