Ouvi recentemente no programa de rádio CBN Gerações a entrevista com uma psicóloga falando sobre algumas questões da maternidade. Ela, que também é mãe e avó, contava aos ouvintes sobre seu espanto ao escutar em seu consultório mães tão queixosas em relação às dificuldades com a maternidade, a solidão, o cansaço, a falta de apoio em todos os sentidos. Iniciava ela: “eu tive quatro filhos e não senti tais coisas!”. Sua intenção ali era, ao meu ver, mostrar que alguma coisa mudou em relação à maternidade de antigamente.

O que mudou de uma ou duas gerações para cá? Em meio a tantas conquistas de direitos, a mulher de hoje cresceu ouvindo que deveria ser independente, ganhar seu próprio dinheiro e nunca depender do marido. Cresceu, na verdade, em meio a muitos outros discursos, alguns inclusive conflitantes entre si. O resultado é que os êxitos feministas foram muitos, não resta dúvida. Sempre houve aquela mulher que para se sustentar financeiramente precisou conciliar os cuidados com os filhos e a casa com um trabalho fora do lar. Para outras, o trabalho para além do ambiente doméstico não era uma possibilidade. Hoje, seja por necessidade, desejo ou ambos, as mulheres podem exercer sua vida pública, trabalhar, estudar, cuidar da família e muito mais.

Então, como fica essa mulher que se fez independente e autônoma na hora em que tem filhos? Essa mulher potente, que muitas vezes é chefe de família, exerce cargos de liderança no trabalho, coordena equipes, dá conta de coisas que, anos atrás, seriam muito raras de se conseguir? Que conquistou sua liberdade e seu direito de ir e vir sem ter que prestar contas?

A mãe de um bebê recém-nascido se pergunta: “como é possível que antes eu era capaz de gerenciar uma equipe de 20 pessoas e agora não me sinto capaz de cuidar de um único ser?”. A super-mulher que correspondeu ao clamor das gerações passadas e se fez independente, com a chegada do bebê, se depara com a finitude de suas possibilidades físicas e psíquicas diante da tarefa gigantesca de tornar-se mãe. Experimenta a falta de liberdade, todos os tipos de privação e a dependência. Com isso, sim, a super-mulher precisará de ajuda!

O Estado brasileiro mostra-se ineficiente no apoio às famílias e consequentemente às crianças apesar do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Não contamos com aparatos públicos adequados, creches, escolas e profissionais devidamente preparados e valorizados. As leis trabalhistas, no que diz respeito a licenças maternidade e paternidade, estão ainda longe do que seria suficiente, sem contar os preconceitos e dificuldades que as mulheres encontram ao voltarem ao trabalho após o período de licença.

Assim, com a chegada do bebê, cada família fará suas escolhas dentro de suas possibilidades. Trabalhar menos, dividir funções, implicar outros familiares no cuidado da criança e, por que não, contratar alguém para que também possa cuidar do bebê. Isso significa que parte das famílias brasileiras, ainda que não seja a maioria, contam com profissionais domésticos no cuidado e na atenção à primeira infância.

Percebo que ainda há muito preconceito em relação à escolha pela babá. Uma avó comenta comigo na saída da escola onde estudam meus filhos: “Hoje em dia, se vê poucas babás aqui buscando as crianças. Acho que pega mal!”, conclui. Corre o “mito”, ora de forma sutil, ora nem tanto, que é motivo de orgulho dar conta de tudo sozinha. Redes sociais, blogs, canais de YouTube e a própria mídia tradicional têm trazido a questão da “maternidade lado b” à tona, o que certamente tem ajudado a muitas mulheres sofrerem menos com suas próprias cobranças e também da sociedade. Apesar dos esforços, a presença da babá ainda pode representar para alguns um atestado de fracasso materno.

Parte deste mal-estar vem da ideia de que a babá, ao invés de ajudar, possa substituir a mãe. Imagina-se que a babá possa anular a presença da mãe, tomar o seu lugar, marcando assim a sua ausência. Afinal de contas, (por favor, entendam aqui a ironia) a “boa mãe” é a mãe presente! E mesmo a psicanálise, que apesar de aportar conhecimentos fundamentais para o desenvolvimento infantil, é produto de uma época e não escapou das ideologias que colocam a mulher no lugar central no que tange o cuidado da criança. A “boa mãe” acolhe o bebê, doa seu corpo, seu tempo, faz todo seu investimento psíquico na sua relação com o bebê, com o intuito de garantir que este pequeno ser torne-se humano, saudável física e mentalmente, ou que pelo menos seja poupado das mazelas provenientes do abandono e da desatenção. Ela, em geral, faz tudo isso, mas não sozinha!

A mãe precisa de suporte e isso é mais que sabido. Precisa de suporte emocional e também de diversas ajudas, algumas relativamente simples como preparar comida, ter tempo para tomar um banho, recuperar o sono atrasado, cuidar dos outros filhos, se os tiver mais velhos. Ela precisa que alguém fique com seu bebê para que possa seguir com seus outros interesses, voltar à vida social, ao trabalho. Essa outra pessoa que se apresenta diante da dupla mãe-bebê é um terceiro, mas o lugar que ela ocupa não precisa ser o da “terceirização”, o que significaria transferir totalmente para outras pessoas a tarefa de cuidar, preocupar-se e responsabilizar-se pelo bebê.

Há um longo caminho entre terceirizar o cuidado e ter outros focos de interesse para além do bebê. Cabem algumas diferenciações: voltar ao trabalho não significa abandonar.  Sair de casa, dar uma volta, passar tempo a sós com o parceiro ou parceira também não. Ter uma noite completa de sono e deixar que outra pessoa atenda às demandas do bebê tampouco.

O termo terceirizar pode ter mais de um sentido. Pode ser uma transferência de funções parentais a outra pessoa, ou um auxílio. A escola auxilia as famílias na educação dos filhos, mas não as substitui, assim como um cuidador externo também não necessariamente. Algumas perguntas podem ser feitas: quem é o responsável pela criança? Quem educa? Quem orienta? Quem coloca as normas e os limites? A mãe sai para trabalhar: com quem deixará seu bebê? Sob quais condições? Delega absolutamente ou deixará suas recomendações? Quanto tempo se ausenta?

Na maioria das vezes a mãe é quem tem mais condições de conhecer o seu bebê, já que convive intimamente com ele, conhece seu ritmo, suas reações; poderá saber quando e o quanto pode afastar-se e quando e o quanto precisa estar por perto, sempre priorizando-o. Sem contar que as crianças são ótimas comunicadoras. Se comunicam através do choro, adoecimentos, formando novos vínculos com quem as acolhe e as deixam seguras. Porém, quando não for este o caso e a mãe se perceber distante do bebê, angustiada, achando muito difícil dar conta dessa grande responsabilidade que se apresentou com a sua chegada, pode ser hora de pedir ajuda, muitas vezes contratando uma babá.

Gostaria de ressaltar aqui que crianças de diferentes idades necessitam de suas mães também de diferentes formas. Uma criança vai podendo estar longe da mãe à medida que vai se des-envolvendo. Com o passar do tempo, pequenas ausências da mãe são importantes para que o bebê tenha experiências, se relacione de outros modos, com outras pessoas e para que este mesmo bebê não seja o único interesse dessa mãe que, pouco a pouco, retoma suas outras funções.

Para concluir, precisar de ajuda não significa uma falha e sim um traço de humanidade. Contar com outros dispositivos no cuidado do bebê faz bem à saúde psíquica da mãe, logo ao bebê. Por trás de uma mãe que dá “conta de tudo”, há sempre alguém que não está fazendo a sua parte!

Imagem: Google.

Texto escrito por Gabriela Amaral.

A Gabriela é psicóloga (PUC-SP) e psicanalista (Instituto Sedes Sapientiae), com pós-graduação em psicanálise na perinatalidade e parentalidade (Instituto Gerar) e em gestão cultural (Universidad de Salamanca). O interesse pela clínica psicanalítica, família, infância e diferenças culturais sempre estiveram presentes em sua carreira. Trabalhou em educação infantil, fez parte da equipe de atendimento ambulatorial do Hospital Pérola Byington e foi sócia da Ninguém Cresce Sozinho entre 2019-2020.