No contexto da maternidade, as discussões acerca da amamentação são tão polêmicas e controversas quanto as questões que atravessam os diferentes tipos de parto (vaginal ou cesárea). Tais discussões, presentes no âmbito da saúde pública, nos consultórios médicos particulares e nas mídias sociais, geralmente gravitam ao redor de correntes como a da livre demanda em contraposição à amamentação com horários pré-estabelecidos, ou da disputa entre os defensores da amamentação exclusiva e compulsória versus aqueles que defendem que esta pode, ou não, ser uma opção de cada mulher.

De todo modo, o debate a respeito dessas questões costuma ser feroz e barulhento, silenciando outros aspectos importantes de serem ouvidos a partir das experiências de amamentação de diferentes mulheres, especialmente quando essa vivência não sai como o esperado, gerando angústias diversas. “O bebê não pega o bico do peito”, “o leite não parece ser suficiente para saciar sua fome”,  “a posição não está favorecendo a sucção”, “o peso não está aumentando conforme deveria”… O fato é que, a experiência da amamentação pode não ser tão simples e natural como ela costuma ser vendida e, por vezes, desejada!

Antes porém de adentrarmos nessa seara é importante realizarmos uma breve revisão histórica sobre o papel que a amamentação ocupou ao longo dos séculos, para que possamos compreender o contexto atual que, como veremos, influencia diretamente as angústias acima levantadas.  

Assim como o lugar do feminino e da maternidade, a amamentação nem sempre teve ao longo dos anos a mesma importância que recebe atualmente.  Na Europa Ocidental por volta do século XV até o início do século XVIII aproximadamente, as mulheres não amamentavam seus próprios filhos. Ser ama de leite era uma profissão subsidiada pelo Estado, sendo o ato de enviar os filhos para serem nutridos por estas uma prática comum, independente do alcance de informação e nível de instrução de cada família.  

Após a Revolução Francesa (grande influenciadora dos pensamentos ocidentais), a  França apresentou sérios problemas econômicos. Desse modo, como uma estratégia econômica, o Estado iniciou uma forte campanha para que as próprias mães passassem a amamentar seus filhos, na tentativa de se desresponsabilizar financeiramente desta tarefa. Já no século XX, especificamente na década de 70, a partir dos movimentos feministas e de outras minorias atravessadas pelas noções de direitos humanos que começaram a se disseminar no século anterior, as mulheres passaram a circular no espaço público e a se inserirem no mercado de trabalho, buscando soluções que do ponto de vista dos cuidados com seus filhos viabilizassem essas mudanças, como a reivindicação de creches e o direito ao uso de mamadeira. Vale acrescentar aqui um dado a respeito do crescimento da indústria alimentícia, principalmente do leite em pó, justo neste período. Será que vieram para favorecer o trânsito das mulheres pelo espaço público ou se aproveitaram deste para se firmar no mercado?!

Todavia, na década de 80, movimentos feministas mais conservadores, apoiados em pesquisas científicas na área da saúde, discursos médicos e teorias psicológicas como a do Apego, convocaram a amamentação de volta ao centro das preocupações maternas, ressaltando a importância nutricional do leite materno bem como o favorecimento do vínculo afetivo mãe-bebê a partir da experiência da amamentação.

De lá para cá, a amamentação foi se tornando cada vez mais um tema polêmico. Se considerarmos a amamentação exclusiva como um dos critérios que contribuem para a diminuição da taxa de mortalidade infantil entendemos que, apesar de ser, em sua origem, uma estratégia político-econômica, tal proposta tem também uma dimensão bastante relevante no âmbito da saúde e do desenvolvimento infantil. Ao mesmo tempo, se o ato de amamentar não pode ser considerado enquanto uma experiência universalmente prazerosa para todas as duplas mãe-bebê, a relação que algumas correntes do pensamento estabelecem entre a amamentação e a teoria do Apego, como garantia de um vínculo forte entre a dupla, fica em cheque. Afinal, seria a amamentação condição sine qua non para o estabelecimento do vínculo? Se sim, o que fazer com o grande número de mulheres que não podem ou não desejam amamentar e seus respectivos bebês?!  

Do ponto de vista emocional, observamos que a disputa entre os discursos que defendem radicalmente a amamentação e os discursos que apoiam a livre escolha da mulher, ficam empobrecidos, favorecendo teorias reducionistas e construções absolutas.  

É neste sentido que nos parece mais relevante poder escutar as singularidades e as angústias presentes nas falas de cada mãe em relação a essa experiência do que nos “filiarmos” a essa ou àquela corrente. Ao resgatarmos as angústias em relação às “intercorrências” da amamentação levantadas no início do texto, e as situarmos no contexto histórico atual, podemos compreender o tamanho da dor de mulheres que se vêem fora dos padrões socialmente difundidos, os quais têm definido que “amamentar equivale a ser uma boa mãe”. Assim, se os embates se dão apenas acerca da melhor forma de amamentar e exaltam apenas seus benefícios, que espaço há para se falar das dificuldades e preocupações que acompanham a amamentação, sem julgamentos?!

Apesar de todo o investimento que hospitais e maternidades têm realizado, por exemplo na contratação de enfermeiras especializadas em aleitamento que  “ensinam” o casal, logo após o nascimento do bebê, a amamentarem; dos aplicativos desenvolvidos especialmente para auxiliar neste processo, calculando o tempo de amamentação, a quantidade de leite ingerido, etc.; dos grupos de apoio de amamentação, muitos deles virtuais para poder incluir aquelas que não encontram apoio em seu território físico; e das especialistas em amamentação que podem ser contratadas pelo casal no pós-parto, não há garantias de que a amamentação ocorrerá conforme o esperado.  

Isso porque nenhuma dessas “estratégias” consegue acolher as particularidades e especificidades de cada dupla (ou trio) que vão além de explicações e ensinamentos que consideram o ato de amamentar apenas em seu aspecto biológico (que muitas vezes é tomado como “natural”). Quando isso acontece, muitas vezes, as dificuldades se transformam em impossibilidade e a impossibilidade em fracasso pessoal: “não fui capaz de amamentar meu filho”. Ou seja, para não cair nessa equação que apresenta apenas um resultado final, é  preciso conhecer o sentido singular que a amamentação tem para cada mulher e/ou casal, lembrando que estes estão, por sua vez, inseridos numa cadeia familiar. Ao  incluí-los na escuta das dificuldades, poderemos ampliar  seus significados para além “da boa mãe” e favorecer  a construção de outros recursos para essa experiência.

Imagem: Google.

Texto escrito por Silvia Bicudo.

A Silvia é psicóloga (PUC-SP), psicanalista (Instituto Sedes Sapientiae) e acompanhante terapêutica em inclusão escolar. Com formação em Psicologia Perinatal e Parental (Instituto Gerar), fez parte da equipe da Ninguém Cresce Sozinho entre 2016 e 2018.

Para acolhimento das vivências emocionais da amamentação, agende um atendimento psicológico.