A partir da escuta de puérperas, em atendimentos grupais ou individuais, como nas redes sociais virtuais, observo que os aspectos mais ressaltados da maternidade hoje em dia não se referem à plenitude vivida nesse momento – como comumente se imaginou durante tanto tempo  –, mas sim, às dificuldades enfrentadas a partir do nascimento de um filho. Os principais temas relatados são: solidão, falta de ajuda nos cuidados com a casa e consigo mesma, falta de companheirismo, dúvidas em relação às orientações dos especialistas (pediatra, principalmente) e crise profissional. Esses aspectos geralmente têm sido nomeados como o lado b da maternidade.Psicanalistas que se dedicam a compreender o puerpério ressaltam que o nascimento de um filho é potencialmente um momento de crise, independente da forma com que chegou, se foi concebido (naturalmente ou por reprodução assistida) ou adotado. É um momento de crise porque necessariamente a mãe terá que se haver com questões identitárias: deixa de ser somente filha para tornar-se mãe, vem à tona as experiências do relacionamento com sua própria mãe, questiona-se a respeito de que mãe quer ser, entre tantas outras perguntas difíceis e profundas.

A maternidade é um evento bastante complexo do ponto de vista emocional, e eu diria que não tem apenas os lados a e b, mas sim uma multiplicidade de formas, coloridos e intensidades com que se experiencia esse momento. Quem teve a oportunidade de conviver com famílias que acabaram de ter filhos pode, muitas vezes, observar a ambivalência que pode ser experimentada nesse momento, quando uma declaração de amor é proferida quase ao mesmo tempo ao relato de dificuldades.

A romantização da maternidade ainda é preponderante no discurso social, mas não é mais um ponto de vista exclusivo. Até bem pouco tempo atrás, ao menos em público, só era permitido falar sobre a beleza e realização em ter filhos, pois se acreditava que o amor materno era um instinto, uma característica biologicamente inata da mulher. No valioso estudo Um Amor Conquistado: O Mito Do Amor Materno, contudo, a filósofa Elisabeth Badinter rebate tal definição. A autora analisa grandes períodos da história ocidental e observa que a forma com que são estabelecidos os vínculos entre as mães e seus filhos e com que são estabelecidos os vínculos familiares como um todo, são fortemente influenciados pelos valores culturais e sociais vigentes em cada período histórico.

Essa mudança de paradigma foi possibilitando que outros aspectos da maternidade também passassem a ser olhados e cuidados e os relatos das mães, como pontuado acima, ressaltam ainda mais o turbilhão de emoções vividas, especialmente, no puerpério. A abertura “cavada” no espaço público inicialmente pelas mães, e mais recentemente também pelos pais, é um movimento interessante e importante, pois “coloca na boca de todos” os aspectos mais difíceis de serem encarados na intimidade da maternidade, tornando possível o compartilhamento de vivências tão solitárias.  

Tal panorama nos mostra uma mudança de valores histórico-culturais – não faço juízo de valor, nem comparação entre as décadas, mas busco compreender a potência e os limites colocados em nosso dia-a-dia. Pergunto-me, então, quais seriam os aspectos de nossa cultura que propiciaram essa pluralidade de vozes?

Em busca de respostas, recorri a uma compreensão sociológica que defende que nas últimas décadas as mudanças sócio-culturais que promovem a formação de novos valores e novas identidades coletivas estão mais aceleradas, sendo constituídas novas gerações a cada 10 anos. Em GE(ne)RA(liza)ÇÕES, a psicóloga e coach Marina Bergamaschi menciona que até hoje foram definidas quatro gerações:

  Baby Boomer   formada por pessoas nascidas entre os anos 40 e início dos anos 60, têm como principais características a preferência por estabilidade e valorização da experiência
  Geração X ou Yuppie   nascidos entre meados dos anos 60 até o final da década de 70, são pessoas competitivas, que valorizam o esforço individual e priorizam o trabalho
  Geração Y ou Millennials   nascidos na década de 80 têm como principais características o desejo constante por novas experiências (inovação), prioridade na qualidade de vida, projetos de curto e médio prazo, a abolição da hierarquia nos relacionamentos, a mobilidade e espaços compartilhados, a independência na administração do próprio tempo e a busca de sentido em todas as atividades
  Geração Z, Zapping, ou Nativos Digitais   contempla os jovens nascidos a partir de meados dos anos noventa, período em que a internet passou a intermediar muitas atividades cotidianas; são pessoas críticas, dinâmicas, autodidatas, flexíveis e imediatistas

Observo que muitos dos aspectos que vêm sendo relatados pelas puérperas se articulam com características predominantes da Geração Y, o que não parece ser uma mera coincidência, já que a maioria delas tem entre 20 e 35 anos. O caldo cultural que embasa essa geração oferece alguns parâmetros nos quais as temáticas das questões pertinentes à maternidade são atualizadas. Vejamos algumas articulações.

A internet é um grande divisor de águas. Os blogs e redes sociais virtuais propiciam e, de certa forma, estimulam a divulgação de relatos autorais das mães compartilhando as próprias experiências, reflexões e pontos de vista. Assim, o movimento de desconstrução de uma faceta única da maternidade tem ganhado força e velocidade. Esses relatos, por sua vez, fomentam a criação de diversos grupos virtuais (muitos dos quais temáticos, como por exemplo depressão pós-parto ou amamentação), e a escolha de qual grupo se filiar está associada à identificação dos valores predominantes em cada grupo (seguindo os exemplos acima, estar em tratamento ou ser adapta à amamentação em livre demanda, respectivamente). Além disso, a partir desses grupos muitos encontros em parques e praças acontecem, sucedendo a formação de verdadeiras redes de apoio.

A facilidade da Geração Y em abandonar relações de poder assimétricas favorece com que as puérperas de nossos dias não se contentem com respostas ou recomendações de especialistas, ou mesmo familiares, quando estas vão contra as crenças do que acreditam ser o melhor para os filhos. A internet facilita o acesso à informação de que há outras de formas de lidar com as dificuldades de criação dos filhos mas não resolve o dilema de qual caminho seguir, no final essa escolha é sempre individual.

Outra fonte de muito sofrimento para as puérperas surge quando é preciso lidar com o fim da licença-maternidade. Qualidades emergentes na Geração Y como a inovação, o desejo de mobilidade, a facilidade em compartilhar espaços e administrar o próprio turno de trabalho, tem favorecido o surgimento de outras formas de colocação profissional, como o empreendedorismo materno e os espaços de coworking. Tais recursos têm possibilitado que muitas mães continuem (ou iniciem) uma carreira profissional sem que necessariamente precisem abrir mão dos cuidados e convivência com o filho.

A ampliação do olhar e vozes sobre a experiência da maternidade associada ao aumento e criação de redes (aqui incluo os grupos virtuais, espaços de brincar, contra-turno escolar, coworking, entre outros) vêm favorecendo com que muitas mães encontrem acolhimento em um grupo de pertença e atravessem o puerpério de forma menos solitária e assustadora.  Mas é preciso lembrar que algumas vezes, o sofrimento pode se apresentar de forma mais intensa e a rede de apoio pode mostrar-se insuficiente para sustentar essa mãe, nessas situações a escuta e atendimento por um profissional especializado fará toda a diferença nessa jornada.

 

Imagem: Google.

 

Texto escrito por Carla A. B. Gonçalves Kozesinski.

A Carla é psicóloga (USP), psicanalista, mestre e doutoranda em psicologia clínica (USP). Tem formação em acompanhamento terapêutico (Céu Aberto), aprimoramento multiprofissional em saúde mental (FAPESP) e pós-graduação em psicanálise na perinatalidade e parentalidade (Instituto Gerar). Trabalhou durante nove anos na área da saúde mental e desde 2012 atua na Vara da Infância e Juventude. Foi membro fundadora do grupo Gesto-Rede Psicanalítica (2007-2016) e sócia da Ninguém Cresce Sozinho (2016-2018). Atualmente integra o Laboratório de Saúde Mental e Psicologia Clínica Social do Instituto de Psicologia da USP, atende em seu consultório na cidade de São Paulo e é coordenadora de serviços na Ninguém Cresce Sozinho.