O que está em jogo na pergunta título deste texto não é a gramática, mas o sentido desses adjetivos na vida da criança. Não é difícil ouvir ou falar que fulaninho é maroto, grosseiro e indelicado a tal ponto que nem mesmo Madame Poças Leitão – a mais famosa professora de boas maneiras para a aristocracia paulistana entre as décadas de 1920 e 1960 – seria capaz de lhe dar um jeito.

Será que mostrar a língua, não cumprimentar quem entra no elevador, xingar a troco de nada, gritar sem motivo aparente e tantos outros comportamentos não polidos é falta de educação?

Penso que sim, mas não exclusivamente no sentido da falta de etiqueta. Françoise Dolto, psicanalista francesa (1908-1988), ajuda-me nesta afirmação: “Educar é despertar a inteligência, as forças criativas de uma criança, dando-lhe, ao mesmo tempo, seus próprios limites para que ela se sinta livre para pensar, sentir e julgar de modo diferente que o nosso, amando-nos ao mesmo tempo” (In: As etapas decisivas da infância. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. VIII).

Uma criança “bem” educada é uma criança criativa, livre. Isto não significa poder fazer o que quer, na hora em que quer. Ao contrário, como bem sabemos, a liberdade de um começa onde termina a do outro.

Ser livre é ter consciência de seus próprios limites, respeitando os limites do outro. No entanto, para que os limites do outro sejam considerados, é necessário não ser o outro; é preciso estar discriminado nas relações que se estabelece. Traduzindo: é preciso que cada um saiba o seu lugar e até onde pode ir.

O trabalho clínico com crianças, famílias e mesmo adulto mostra, em muitas situações, que crianças tidas como filhos malcriados são crianças coladas ao desejo de seus pais, sem liberdade de serem elas mesmas. São, neste sentido, filhos-criados, serviçais dos desejos parentais. Respondem ao seu “senhor”, sem que haja brecha para responder a outros “senhores”: o mundo, o outro, a diferença e a si mesmo. Sendo assim, são bons criados, mas malcriados.

Malcriado é um mau criado; é aquele que internamente luta para conquistar sua alforria, mas não sabe como. Ora ignora quem está a sua volta, ora o ataca. Não existe convivência pacífica (polida) porque o outro é vivido como uma ameaça.

O malcriado é prisioneiro do desejo de outrem. Ele vive a pseudoliberdade de fazer o que quer, na hora que quer, cuspindo na cara do amigo, dando de ombros para qualquer situação. Por trás desta aparente condição livre existe um sofrimento enorme de não poder ser ele mesmo. Mal criar um filho é não permitir que ele pense, sinta, aja e se posicione de modo diferente do nosso. Para termos filhos bem-criados, precisamos de maus criados!

Nota: Este texto, publicado pela primeira vez em 11/11/2013 no antigo blog Ninguém Cresce Sozinho, foi revisado e alterado minimamente em seu conteúdo original pela autora.

Imagem: Google.

Sobre a Patrícia L. Paione Grinfeld.