Não sei quando os chás de bebê surgiram – gostaria muito de saber. Mas me lembro que no meio em que vivi os anos 80, 90 e início dos 2000, os chás de bebê eram oferecidos pelas amigas da gestante, na casa de uma delas. Cada uma contribuía com algum come e bebe e um produto de higiene ou cuidado do bebê. Era uma tarde gostosa e solidária, em que a gestante era o centro das atenções, com as mais velhas contando para a futura mãe, mesmo que em forma de brincadeira, para que servia cada um daqueles presentes. O “chá” era um fio que tecia a rede de apoio daquela mulher-mãe, tão necessária para a construção da maternidade.

De uns 10 anos para cá, ou mais (não sei precisar esta data), observo algumas mudanças no formato dos chás de bebê. Agora são as gestantes quem o oferecem, e a pequena reunião de mulheres-amigas transformou-se em uma grande festa com a presença de homens. Se esta mudança fosse pessoal e não cultural, não teríamos esse modelo sendo seguido por tanta gente. Então, cabe-nos tentar compreender que mudança cultural é essa.

Na classe média e alta, por exemplo, os casais têm engravidado cada vez mais tarde, e os filhos têm se tornado um projeto de vida que vem depois de alguns outros (carreira, viagens, casa própria, etc.). Esse projeto, às vezes único e demasiadamente esperado, coloca o bebê num lugar de destaque na vida familiar, com o mundo girando ao seu redor, de um modo bem diferente de como foi para grande parte de nossos antecedentes, quando um filho era apenas mais um membro na família.

Com os filhos sendo um projeto de vida, tem sido necessário garantir que tudo que os envolve ocorra sem deslizes neste mundo em que somos vigiados, controlados e comparados o tempo todo, para além do grupo familiar e social mais próximo. Ainda com o bebê no ventre é preciso compartilhar com o entorno a boa mãe e o bom pai que estão por vir, a mulher-maravilha e o super-homem que dão conta de tudo. As mães e os pais são cobrados (inclusive por eles mesmos) deste lugar de perfeição, em que não há falhas, faltas, tristezas, inseguranças e angústias. Se a festa sair conforme planejado, se o enxoval contemplar todas as coisas que o bebê poderá precisar, se o quarto parecer com o exposto na revista de decoração, e assim por diante, a mãe e o pai são/serão bons – para não dizer perfeitos. Lógica estranha, não? Perfeito, quando muito, são os robôs.

Numa sociedade em que buscamos no olhar macro o olhar antes ofertado por aqueles mais próximos a nós, mas que agora estão mergulhados em seus afazeres, faz sentido cumprir à risca este ritual que por vezes parece mais se aproximar dos rituais de consumo do que dos rituais de iniciação ou passagem.

Independente da década, no primeiro modelo de chá de bebê aqui descrito, a mulher é o centro das atenções. Ela é cercada de outras mulheres que cuidam (com comes, bebes, organização do “chá”) e dividem suas experiências (com presentes úteis e explicação de seu fim), acolhendo e dando suporte à gestante. Nesse sentido, o chá de bebê pode ser considerado um ritual de iniciação e passagem da mulher para a mãe do bebê que ela espera. A gestante é “maternada”, favorecendo-a maternar seu bebê. O chá de bebê é, ainda, uma oportunidade para a mulher organizar e até mesmo testar quem será sua rede de apoio após o nascimento do bebê.

No segundo modelo é a gestante, com ajuda do marido ou de terceiros, quem organiza e oferece o “chá”, algumas vezes apenas porque ele tem que ser feito porque todo mundo faz ou porque o meio familiar ou social exige, independente do desejo ou do significado que o ritual tem para cada (casal) gestante.

Ora, se tem que fazer porque todo mundo faz ou porque o meio exige, será que existe um rito de passagem? Se os chás de bebê se portam como algo da ordem da apresentação e aprovação social, eles podem não necessariamente fazer uma passagem, mas sim repetir o modelo de que para ser é preciso ter – para ser boa mãe e ou bom pai, é preciso fazer o chá de bebê, o enxoval com tais e tais itens, ter as lembrancinhas da maternidade, a roupinha especial para voltar para casa, entre outros. Se tenho que, onde fica a autenticidade e a espontaneidade tão importantes para que os pais criem um laço com seu bebê?

Com a participação mais efetiva dos homens em todo o processo gestacional, vale observar como eles participam, inclusive, nos chás de bebê. São apenas um apêndice da mulher, que faz o que ela pede e determina? Fazem as interdições necessárias quando, por exemplo, questionam se são necessários tantos preparativos para o evento? Planejam e executam junto, “sonhando” o bebê? A maneira como cada homem participa do evento geralmente já antecipa o lugar que ele vem ocupando na relação com o bebê.

Numa época em que a rede de apoio à gestante e à parturiente nem sempre consegue oferecer o que a mulher precisa, o homem vem tendo uma importância inédita na gravidez, no parto e no pós-parto. Para o vínculo com mulher-mãe e seu bebê, bem como para a construção deste pai, essa é uma experiência de grande valor. No entanto, é preciso lembrar que a gestação, o parto e o pós-parto são eventos que demandam da mulher o suporte de outras mulheres que possam tanto servir de modelo como simplesmente apoiar, ajudar, confortar e apostar em suas capacidades. Se o chá de bebê cumpre com esta função ele é um importante ritual da gestação e da construção da maternidade. Se não… ele é apenas uma reunião social, que pode ser muito divertida e prazerosa, mas perde a rica oportunidade de ser algo a mais, muito a mais.

Nota: Este texto, publicado pela primeira vez em 13/07/2015 no antigo blog Ninguém Cresce Sozinho, foi revisado e alterado minimamente em seu conteúdo original pela autora.

Imagem: Google.

Sobre a Patrícia L. Paione Grinfeld.