A maneira como a mulher vive a gestação, o parto e o pós-parto recai de modo significativo na relação que ela estabelece com o bebê e na construção da maternidade. Por isso, a atenção que ela recebe ao dar vida a alguém deve levar em conta não apenas o corpo biológico, mas também sua subjetividade.

A experiência do parto, mesmo sendo curta em comparação ao tempo do gestar e dos primeiros meses de vida do bebê, é profunda e, por vezes, transformadora. Uma mulher que tem uma experiência ativa e positiva em seu parto, comumente experimenta, com muita intensidade, elementos que estarão presentes ao longo de sua jornada materna. Entre eles destaca-se:

Tempo de espera: o tempo do trabalho de parto é um tempo determinado pelo bebê. Respeitar este tempo significa suportar a existência do “outro” e do desconhecido, o que, ao longo da relação com o bebê facilita reconhecer o que é de cada um (as exceções existem, quando há risco de vida à mulher ou ao bebê, situações em que o tempo também é repeitado).

Conexão emocional: uma mulher conectada a si mesma é uma mulher que pode estar mais inteira em sua vivência. Isso lhe possibilita reconhecer não apenas sua potência, mas também seus próprios limites. Reconhecer os próprios limites é um dos exercícios mais difíceis e necessários na maternidade. Este reconhecimento favorece não apenas a integridade dos espaços físico e mental da mãe como também ajuda a construir os do bebê. Mesmo estando psiquicamente fusionado à mãe nos primeiros meses de vida, o bebê pode ser por ela reconhecido como alguém diferente dela e não como uma extensão de seu corpo.

Dor e prazer: a experiência de suportar e transcender a dor, bem como de poder apontar o próprio limite em relação a ela, coloca a mulher como protagonista da própria história, impedindo-a que fique numa posição passiva. A mãe “sabe”; a mãe pode experimentar porque confia em suas percepções e sensações. Mais confiante, ela transmite maior segurança ao bebê.

Embora sejam inúmeras as vantagens de uma mulher entrar em trabalho de parto, prevalece em nossa sociedade um número excessivo de cesárias previamente agendadas desnecessariamente.  Não é por menos. Vivemos o tempo do imediato, da analgesia e da conexão desconexa. Esperar torna-se, em muitas situações, insuportável. Nosso tempo é o tempo do entupimento, o tempo em que não se vive a falta, o vazio, a dor. Por ínfima que esta seja (ou, em algumas situações, a melhor expressão de si mesmo, já que revela algo do sujeito), ela precisa ser aplacada por um agente externo porque nem sempre encontramos mecanismos internos ou apoio vindo do ambiente para minimizá-la. Estamos conectados a tudo, a todos, mas não a nós mesmos, o que dificulta reconhecer nossas demandas e as demandas do meio ao qual estamos inseridos. Consequentemente, fica difícil reconhecer aquilo que o bebê necessita e solicita (daí, podemos inferir, a crescente oferta de parafernálias que traduz as demandas do bebê – de aplicativos a equipamentos eletrônicos ou não – para atender a essa dificuldade).

Uma mulher que não tem um parto normal desenvolve a capacidade de se ligar ao seu bebê. A adoção é um exemplo de que o vínculo materno-filial não se dá pela via da concepção, gestação ou parto, mas se constrói a partir da relação que se estabelece entre a mãe e a criança. No entanto, observa-se que em algumas situações este tempo pode ser um pouco maior ou mais turbulento, já que a mulher deixa de se beneficiar da quantidade de substâncias naturais que o corpo produz para a recepção do bebê (o inverso também ocorre: mulheres que tiveram parto normal, mesmo tendo “ajuda” das substâncias produzidas pelo corpo ao longo do trabalho de parto e pós-parto, podem apresentar dificuldade na vinculação com seu bebê).

Quando uma mulher opta por um ou outro tipo de parto, porque ela pode fazer a opção e não porque ela não tem escolha (por imposição ou por necessidade clínica), ela diz de sua relação com seu corpo, seu psiquismo e seu bebê. Se de cara ela diz que quer programar uma cesárea é muito provável que ela esteja capturada pelo tempo do imediato, da analgesia e por fantasias que lhe são perturbadoras. Um silêncio consentido de quem a acompanha (lembrando que não é apenas o médico que tem este papel, mas todos que estamos à sua volta) aborta a oportunidade de trazê-la para o tempo da espera, do desconhecido, da dor, mas também do prazer e da descoberta. Essa é uma mulher que pode ser convidada a pensar nessa captura, mas jamais deve ser “forçada” a um parto vaginal – dependendo como ela está capturada por esse tempo e fantasias, o parto natural pode ser uma violência.

A gestante que recebe um falso apoio ou uma imposição contrária ao parto que ela almeja (não estou me referindo a situações em que a saúde da mãe e ou do bebê estão em questão) recebe também a mensagem de que seu desejo não tem valor. Emocionalmente, esta mulher fica esvaziada num momento em que precisa de muita entrega ao bebê. Por isso, é fundamental que as conversas com a equipe que a acompanha durante a gestação e o parto sejam francas e continentes. Para confiar e se entregar, a relação com a equipe e com quem está perto dela, como a família e amigos, deve ser honesta e levar em conta a singularidade de cada mulher e situação.

O tempo do gestar, do parir e do maternar pedem um tempo que não corre no relógio. Um tempo em que o apoio e o respeito à mãe e ao bebê são a essência para um vínculo forte e saudável. Apostemos neste tempo.

Nota: Este texto, publicado pela primeira vez no antigo blog Ninguém Cresce Sozinho, foi revisado e alterado minimamente em seu conteúdo original pela autora.

Imagem: Google.

Sobre a Patrícia L. Paione Grinfeld.