Quem, quando criança, nunca teve medo de fantasma, de escuro, de morrer, de perder alguém querido, de ser abandonado? Quem não sentiu medo de médico, de dentista, de injeção ou de fazer coisas ainda não conhecidas? E medo de palhaço, de animais e outros tantos de uma lista infindável?

Se você não se lembra de um medo que sentiu quando pequeno, certamente alguém do seu convívio na infância deve recordar. Os medos fazem parte do universo infantil, podendo se tornar insignificantes e sem sentido com o passar do tempo, ou persistir ao longo da vida adulta.

Os medos falam de conflitos e da dificuldade em lidar com questões reais ou imaginárias que nos ameaçam física e emocionalmente, e é isso que os faz ganhar tamanha dimensão. Uma simples bexiga, por exemplo, pode ser algo extremamente aterrador, como nos mostra Gildo, o protagonista que dá título ao livro de Silvana Rando, Brinque-Book.

Desde muito cedo as crianças são desafiadas frente aos seus medos. No entanto, por não terem maturidade para lidar com eles, elas precisam da ajuda dos adultos para se sentirem seguras e confiantes para encarar e superar aquilo que temem.

Quando o medo que a criança sente não nos faz sentido, é comum dizermos que tal medo é “bobo” (como o medo de bichão papão) ou desnecessário (quando o medo é de um cãozinho). Porém, se não embarcamos nas fantasias da criança para ajudá-la a reconhecer o que a assusta, podemos cair num discurso vago e ainda corremos o risco de reagir com ira ou desdém, ignorando que por trás do medo há angústia e sofrimento.

Então, como sair dessa situação?

O uso de histórias sobre medos é um recurso sempre interessante para falar de alguns temores e ajudar a driblá-los. Há histórias que são abordadas de forma direta e outras de uma forma mais sutil, deixando sua mensagem nas entrelinhas. Ambas são ricas, e não temos como saber de antemão qual pode ser mais atrativa e benéfica para a criança. Por isso, quanto maior a variedade de livros a ela oferecido, melhor, já que suas chances de identificação aumentam.

Entre tantos livros infantis que abordam o tema medo e temores, destaco a coleção Os medos que eu tenho, escrita por Ruth Rocha e Dora Lorch, Editora Moderna:

Ninguém gosta de mim? faz referência ao abandono.

Será que vai doer? fala dos medos criados em relação a procedimentos nunca experimentados ou já vivenciados com certa ansiedade, como a primeira consulta ao dentista ou o retorno ao médico.

Fantasma existe? aponta para os medos daquilo que sabemos que não existe, mas que reside dentro de nós.

Tenho medo mas dou um jeito traz os medos que representam perigos reais da vida e são importantes para nossa proteção, como o medo de cair na piscina e se afogar por não saber nadar ou o medo de atravessar a rua e ser atropelado.

Através das histórias, as crianças percebem que não são as únicas a sentir determinado medo. Elas podem brincar com ele, rir dele, contar e criar outras histórias a respeito daquilo que temem. Podem, ainda, a partir das histórias, incrementar a “conversa” com outras formas de expressão, como o desenho, a pintura e o teatro. Logo, precisamos ouvir as crianças em suas “argumentações” e permitir que elas expressem física e verbalmente o que sentem.

Expressar os medos é de extrema importância; ter a oportunidade e a condição de falar sobre os próprios sentimentos é uma forma de ofertar proteção física, emocional e social para que as crianças possam se desenvolver e criar relações seguras que servirão como base para estar no mundo de forma ativa e autoconfiante.

Nota: Este texto é uma adaptação do texto Ajudando as crianças a falar e lidar com seus medos, publicado originalmente em 02/08/2015 no antigo blog Ninguém Cresce Sozinho. A adaptação foi feita pela autora, Veronica Esteves de Carvalho.