A dificuldade em uma criança adormecer sozinha e o despertar noturno decorrem tanto das sensações ou alterações corporais, como super estimulação, frio ou calor, sede, fome ou dor, quanto das questões de natureza psíquica, como temores, estresse ou pesadelo. Diante destas situações, muitas crianças solicitam a presença de alguém ao seu lado para adormecer ou buscam uma figura de referência no meio da noite porque sozinhas ainda não são capazes de lidar com – e até mesmo verbalizar sobre – estes incômodos.

Na tentativa de acolher o pequeno que não dorme ou acorda na calada da noite, cada cuidador vai experimentando meios de tranquilizá-lo: pega-o no colo em silêncio para que ele não desperte ainda mais; amamenta-o porque o leite “acalma”; fica junto – dormindo, assistindo TV ou mesmo brincando em plena madrugada – porque a criança “quer companhia”; entre tantos outros.

A criança que tem o sono interrompido e não consegue retomá-lo sem ajuda, assim como aquelas que precisam de alguém ao seu lado para adormecer no sono diurno ou noturno (ou que necessitam de rituais que a faça “apagar”, como dormir no carro/carrinho dando volta no quarteirão), precisa do outro para sentir-se segura e protegida. Como dormir é um momento de extrema solidão – psiquicamente ficamos sós, nós com nós mesmos – ficar só pode ser deveras perturbador. É por isso que acolher fisicamente a criança costuma “funcionar”. No entanto, apenas acolhê-la corporalmente, dando colo ou a mão, dormindo junto, ficando no quarto, entre outros, nem sempre é o suficiente para fornecer os recursos necessários para a criança conseguir adormecer e ou dormir sozinha a longo prazo.

Dormir implica na transição entre estar acompanhado–estar desacompanhado. Portanto, para que o adormecer e o despertar sejam vividos com tranquilidade, garantindo inclusive a saúde emocional de toda a família, é preciso ajudar a criança na transição do estado de vigília para o sono, de estar acompanhada para estar só.

Se, por alguma razão, as falhas ambientais forem vividas pela criança como rupturas, a criança pode se sentir menos segura, tendo, portanto, maior necessidade da presença concreta de alguém de sua confiança.

Em muitos momentos a presença física de alguém se faz necessária nesta passagem. Os bebezinhos, por exemplo, por não estarem ainda totalmente separados da mãe do ponto de vista psíquico, precisam da presença física dela (ou substituto) para ter a sensação de continuar existindo. É por isso que a dedicação e a prontidão das mães, traduzindo e atendendo às demandas do bebê nos primeiros meses de vida, é tão importante para que ele possa cada vez mais ir se sentindo seguro e, consequentemente, suportando o prolongamento do tempo sem a presença materna.

Assim como alguns bebês e crianças nunca adormeceram ou dormiram sozinhos, há bebês e crianças que costumavam adormecer com facilidade e tinham o sono ininterrupto, mas, de “uma hora para outra” passam a acordar no meio da noite ou a reivindicar a presença de alguém ao seu lado para adormecer ou dormir. Em geral estas situações, temporárias ou não, surgem sempre que o bebê ou a criança vivencia em algum grau a angústia de separação ou dispende muita energia em alguma nova habilidade que está adquirindo. Neste último caso, a situação tende a ser passageira e menos angustiante para o bebê ou a criança.

Embora alguns autores nomeiem a angústia de separação por crises do primeiro trimestre, crise dos 8 meses, e assim por diante, prefiro não fazer tais nomeações, já que as vivências de separação, com maior ou menor intensidade, são experimentadas a vida toda. Mesmo os pesadelos infantis, responsáveis por grande parte dos despertares noturnos, em sua maioria falam de algum temor de separação (ser engolido, sequestrado, perder os pais – por morte ou outra razão, se perder ou morrer, etc.).

Como acontece com os bebezinhos, nestes momentos de “crise” é preciso resgatar a devoção ao bebê ou criança. Mesmo que em alguns momentos seja preciso o contato físico, ele jamais deve substituir palavras de conforto que ajudem a criança a entender seu temor – Sei que você não queria se separar da mamãe, mas enquanto você dorme, vou fazer tais e tais coisas. Assim você descansa e quando acordar vamos brincar juntos. Este exemplo, que poderia ser qualquer outro, reconhece o sofrimento da criança, e pontua que a mãe continuará existindo e voltará a cuidar do filho quando ele acordar.

Esta tarefa de estar disponível e nomear a situação nem sempre é rápida, simples e fácil, especialmente porque ela costuma ser necessária no meio da noite, repetidas vezes, prejudicando o sono de toda a família. Exatamente por isso, condutas de levar a criança para a cama dos pais acabam sendo a “melhor” alternativa em muitos lares.  O grande problema é que nessas situações se cria hábitos difíceis de serem eliminados posteriormente, mesmo que a criança já se sinta mais segura para dormir sozinha. Um exemplo clássico são crianças com 6-8 anos, ou até maiores, que só dormem na cama dos pais ou com a presença de um deles no quarto. Outro risco é reforçar a relação “grudadinha” entre o adulto e criança.

Para não ficar colado no corpo, além das palavras, pode ser bem rico encontrar com cada bebê e criança algo que substitua a presença física do adulto – uma luzinha, um bichinho de pelúcia, um paninho, que podem ser fornecidos nos momentos de transição presença-ausência. No entanto, eles só terão validade enquanto substituto humano se, na presença do adulto, a criança encontrar a segurança que ela precisa ou a liberdade para também estar só.

Separar pode ser muito doloroso, tanto para os filhos, como para os pais. Mas para crescer é preciso passar por isto!

Nota: Este texto, publicado pela primeira vez em 19/08/2013 no antigo blog Ninguém Cresce Sozinho, foi revisado e alterado minimamente em seu conteúdo original pela autora.

Imagens: Google.

Sobre a Patrícia L. Paione Grinfeld.

Para problemas com sono infantil, agende uma consulta de orientação a pais.