A retirada das fraldas é um marco de crescimento extremamente importante na primeira infância: sai de cena o bebê que deita para receber cuidados e entra uma criança que precisa ser mais independente e autônoma para fazer por si mesma. Essa pequena, porém, complexa mudança, revela o quanto o momento de retirada das fraldas é um processo relacional, e não apenas um condicionamento para ensinar a criança a fazer xixi e cocô nos lugares estabelecidos por nossa cultura. Por essa razão, prefiro chamar este percurso de desfralde, ao invés de treino esfincteriano, como usualmente encontramos na literatura, especializada ou não.

Nesse novo cenário não basta o desejo do adulto em querer que a criança deixe as fraldas. Embora ele seja fundamental, afinal, são os adultos quem deverão sustentar cada uma das etapas do processo de desfralde, é a condição neuropsicomotora da criança, o seu desejo de sair das fraldas e a possibilidade de “ser grande” que servirão de motor para o desfralde acontecer.

Apesar de óbvio, é importante lembrar que “ninguém tira os excrementos de ninguém”, a não ser com técnicas um tanto invasivas. Portanto, se não for a criança quem estiver no controle da situação de eliminação de seus excrementos, dificilmente o desfralde ocorrerá sem contratempos. Somente a criança é quem pode dizer quando ela quer fazer xixi ou cocô, bem como de que maneira e onde.

Estar no controle da situação é um grande desafio para a criança, especialmente no início, quando ela ainda não sabe controlar o que socialmente precisa controlar, e mais ainda quando ela não encontra espaço no ambiente para exercer esse controle (e possivelmente outros) que é só dela. Por isso, comportamentos de birra costumam acompanhar essa etapa da vida dos pequenos, principalmente quando a pressão vinda do seu entorno for incompatível com aquilo que ela dá conta de lidar.

Do ponto de vista biológico, a retirada das fraldas se torna possível entre os 18 e os 30 meses – período em que o controle dos esfíncteres, músculos responsáveis pela expulsão das fezes e da urina, é adquirido em função da maturidade neurofisiológica. Contudo, não se deve definir o início do desfralde apenas pela idade. Seu início depende da sucessão e do conjunto de competências da criança, bem como de fatores psicológicos e socioculturais.

Como nessa faixa etária a criança adquire várias novas habilidades, comportamentos isolados e não em seu conjunto podem se caracterizar como “falsas pistas” para o início do desfralde, podendo comprometer o objetivo final que é não mais precisar das fraldas diurnas e noturnas.

Partindo dos trabalhos do pediatra americano T. Berry Brazelton, importante e reconhecido estudioso sobre o desenvolvimento infantil, elencamos abaixo as principais competências que a criança precisa reunir antes de o processo de desfraldamento ser iniciado.

Nomear as partes de seu próprio corpo, incluindo as partes do corpo envolvidas na excreção.

Caminhar, correr, ficar de cócoras, cruzar as pernas, subir e descer escadas, permanecer sentada por algum tempo e usar os dedos para atividades mais complexas. Essas habilidades corporais, além de serem necessárias para que a criança consiga se sentar sozinha e permanecer sentada no penico/vaso sanitário, com ou sem auxílio de um banquinho, tirar a própria roupa e fazer sua higiene, também são indicadores de que a criança está, do ponto de vista maturacional, pronta para exercer o controle dos esfíncteres.

Compreender o que lhe é dito, transformando o que foi compreendido em ação. Por exemplo, entender ordem simples como “vamos ao banheiro”.

Expressar minimamente o que acontece ou quer, informando que fez ou quer fazer xixi e ou cocô, mesmo que haja confusão entre o anunciado e o excretado.

Ser capaz de dizer “não”, opondo-se ao outro em prevalência ao seu desejo. Para desfraldar, a criança precisa poder participar do processo de forma ativa.

Ser capaz de guardar as coisas no lugar que elas costumam ser guardadas. Essa atitude é necessária para a criança aprender e saber onde “guardar” seus excrementos.

Ter prazer em cuidar das suas coisas. Para poder cuidar de suas coisas, o que inclui o próprio corpo (vestir-se, guardar seus pertences, etc., dentro de sua própria lógica), a criança precisa, primeiramente, poder explorá-las livremente e com segurança.

Imitar o comportamento do adulto, de seus pares ou de crianças mais velhas, identificando-se com o modo como estas pessoas fazem uso do sanitário. Forçar o uso do penico/vaso sanitário é ineficiente porque é a criança quem deve manifestar o interesse em fazer esse uso.

Ter horas mais ou menos determinadas para urinar e evacuar, permanecendo com a fralda seca por período de 1-2 horas, inclusive nas sonecas. Isso indica maturidade do sistema urinário e digestivo. Nesta idade a criança, em geral, evacua apenas durante o dia (algumas crianças têm, inclusive, regularidade de horário, muitas vezes após as refeições).

Ter maior consciência de seu próprio corpo, percebendo que está urinando ou evacuando. Sendo mais consciente de seu corpo e dos prazeres nele obtido, a masturbação passa a ser bastante frequente nesse período da vida da criança.

Reconhecer os sinais de que quer fazer xixi/cocô, indo nos cantinhos, afastando-se da presença das pessoas para evacuar ou urinar.

Brincar com objetos ou representar situações de uso do vaso, para que estes se tornem familiares à criança. Comumente as brincadeiras incluem cuecas ou calcinhas, redutor de assento ou penico (no banheiro ou em outras partes da casa), jogos simbólicos de trocar fralda ou colocar o boneco para fazer xixi, livros temáticos, entre outros. O importante é que seja dada à criança a condição de brincar livremente com esses elementos, sem pressão para que ela use o penico/vaso sanitário.

Se olharmos com atenção, a maioria das competências necessárias para que a fralda seja dispensável depende diretamente de um ambiente que permita e favoreça as investigações e expressões da criança no/através do próprio corpo e em seu meio. Isso significa que o respeito à singularidade e ao ritmo de cada criança não se dá a partir de uma postura passiva do adulto de referência, na espera de que um dia a criança “resolva” dizer tchau para as fraldas.

O processo de desfralde costuma ocorrer sem percalços quando as convocações da criança são respondidas, sua autonomia favorecida e os passos em direção ao fim das fraldas são tidos por ela e por seus cuidadores como conquistas da própria criança e não como resposta às pressões sociais/familiares ou ao mero desejo do adulto.

No processo de desfralde cabe à criança reconhecer os sinais corporais de eliminação e retenção das fezes e da urina e aprender os comportamentos de onde e como urinar e evacuar. Ao adulto cabe transmitir essas regras, ajudar a criança a reconhecer as mensagens do próprio corpo e apoiá-la diante das dificuldades encontradas nesse complexo e gradual processo, o que também é um tremendo desafio, especialmente àqueles que partem da ideia de que é o adulto quem sabe sobre a criança.

Imagem: Google.

Sobre a Patrícia L. Paione Grinfeld.

Para saber mais sobre desfralde, participe da roda Desfralde sem atropelos ou agende uma consulta de orientação a pais.