O brinquedo ideal, ou o bom brinquedo, é aquele que permite a brincadeira: a imaginação, a descoberta, a exploração, a imitação, o planejamento, a solução de conflitos, o aprendizado sobre si mesmo e sobre o mundo, a interação com os outros e o ficar só. São brinquedos que se transformam, não são engessados, nem ditam ordens. São brinquedos que não restringem as possibilidades de brincar; pelo contrário, as ampliam.

Quem já observou uma criança brincando com uma boneca que fala frases prontas pode observar seu encantamento pelo que inicialmente se apresenta como mágico – a fala. Mas pode também observar seu frequente e rápido desencantamento pelo brinquedo. A boneca só fala o que ela, boneca, “quer falar”. Ela é dura, não pode ser lavada por causa das pilhas, não aconchega no colo.

Se a boneca, brinquedo que primordialmente representa o bebê e, portanto, as formas de cuidar e a relação de quem brinca com parte do mundo adulto, como fica a construção de um diálogo criativo e espontâneo, a possibilidade de carregá-la como a criança deseja e até mesmo mergulhá-la na tão gostosa água de tantas brincadeiras? É compreensível que, com tantas limitações, a magia se dissipe ligeiramente pelos ares.

O que acontece com as bonecas também ocorre com os trenzinhos que giram numa pista pronta sem participação nenhuma da criança (só montar e observar é muito pouco para chamarmos isto de participação), com os carrinhos que andam pela casa cantando, com os instrumentos musicais que definem o que vai ser tocado e com tantos outros similares que permitem uma interação restrita.

Brinquedos tão desejados e implorados, muitas vezes são logo deixados de lado. Pense nos brinquedos de sua infância. Pense nos brinquedos das crianças com quem você convive. Quais são os inseparáveis, os mais legais de brincar? Quais foram rapidamente esquecidos, deixados no fundo do baú, sem lembrança ou saudade? Certamente os brinquedos que inibiam o brincar e a liberdade de criar e se expressar.

Numa sociedade em que ter vale mais do que ser e dar mais do que estar, não é apenas o bombardeio da publicidade e as lojas abarrotadas de opções que contribuem com o frenético pedido de “quero este”, “compra aquele”, mas também a impetuosa atitude dos adultos de consumar o pedido, muitas vezes de modo imediato, abortando aprendizados tão importantes como o questionamento e a capacidade de espera.

Quando falamos em brinquedo, estamos nos referindo, antes de mais nada, a objetos de desejo, de crianças e de adultos. Quantos adultos compram um brinquedo, muitas vezes sem a criança ter nascido ou ainda sem idade para usá-lo, só porque o achou bacanérrimo? Aqui temos duas questões importantes que merecem atenção: o desejo do adulto sobrepondo-se ao da criança e o modelo de consumo dos adultos de referência, que será o modelo de consumo das crianças, pelo menos até a adolescência, quando pode haver algum confronto com o modelo parental, familiar ou social. Se os adultos não param para pensar desde o começo, lá na frente vão se deparar com os desenfreados e insistentes pedidos de “compra, vai”, “eu quero”. E sem saída, acabarão comprando e, consequentemente, educando para um consumo não consciente.

Uma criança pede, insiste, persiste, “fica doente” se não ganha o tal do brinquedo. Então ela ganha, brinca um pouco e o tão desejado brinquedo cai no esquecimento. Triste fim. Do dinheiro suado, do sonho acordado, da infância que passa.

Sempre é tempo de parar, pensar, rever. Diante do apelo da criança por um brinquedo, experimente escutar qual o significado daquele pedido. A criança pede um determinado brinquedo porque os amigos têm e ele não? A criança quer um brinquedo (ou vários) porque foi devorada pelos comerciais da TV? Ela pede um brinquedo porque o achou legal ou se cansou dos seus?

Por trás de um pedido sempre há um significado que precisa ser compreendido pelo adulto e pela criança. Brinquedo não deve ser ingresso para as rodas de amigos (se assim o for, o que estará sendo valorizado é o ter em sobreposição ao ser). Brinquedo deve propiciar trocas afetivas e não entrar no lugar do afeto. Brinquedo deve ser escolhido pelo que ele realmente é, e não pelo que ele parece ser. Brinquedo tem que ter qualidade, segurança e longevidade, tanto em termos de durabilidade, quanto em vida útil e interesse nas mãos de uma mesma criança.

Brinquedo que se brinca nem sempre é encontrado nas lojas. O primeiro brinquedo de toda criança é o próprio corpo e o corpo da mãe. Evolui para objetos simples, como potinhos encontrados em qualquer cozinha. Uma pedrinha na areia da praça, uma folha do jardim, exercem um fascínio que muitas mesas de atividades cheias de sons e balangandãs não conseguem propiciar por muito tempo. A simplicidade dos brinquedos dos estágios iniciais da vida não pode se perder ao longo do crescimento. Criança precisa do seu corpo para brincar e de brinquedos que não tolham sua criatividade e expressão, como os brinquedos que têm função pré-definida.  Aqui não me refiro aos jogos, que são estruturados, com objetivo definido e de extrema importância no que tange a compreensão e a aquisição de regras, o estímulo do raciocínio lógico e, em muitos deles, a coordenação motora. Brinquedo com função pré-definida são os estereotipados e os que limitam a maneira de brincar.

O brinquedo ideal não é um ideal; é apenas um recurso importante para o desenvolvimento da criança. O brinquedo ideal pode ser uma árvore, uma piscina, uma bola, uma bicicleta, um bolo na batedeira, uma fita crepe, uma boneca gostosa, um pedaço de pano, um carrinho qualquer, uma bacia com água, etc. O brinquedo ideal está no poder de inventar e (se) transformar. O brinquedo ideal é criado e recriado a cada brincadeira. Brinquedo é assunto sério. Se ele não tem plasticidade, a criança não aprende a ter jogo de cintura, vital para qualquer ser humano em todas as fases de sua vida. Pense nisto antes de ser fisgado pelas armadilhas do consumo ou pelo pedido de uma criança que está apelando por outra coisa.

Nota: Este texto, publicado em 21/10/2012 no antigo blog Ninguém Cresce Sozinho, foi revisado e alterado minimamente em seu conteúdo original pela autora.

Imagem: Google.

Sobre a Patrícia L. Paione Grinfeld.